Capítulo 19 – Continuam as horríveis crueldades em Jerusalém da parte dos idumeus e dos zelotes; maravilhosa constância dos que as sofriam. Os zelotes matam Zacarias no Templo.

Depois que Anano e Jesus foram tão cruelmente massacrados, os zelotes e os idumeus levaram sua raiva contra o baixo povo e fizeram também entre eles uma horrível mortandade. As pessoas da nobreza eram encarceradas, com a espe­rança de que elas passassem para seu lado; nem um sequer, porém, preferiu evitar a morte, a fim de se unir àqueles malvados para a ruína de sua pátria. Não se contentavam em lhes fazer perder a vida; aqueles tigres sanguinários faziam-nos sofrer antes todos os tormentos imagináveis e só lhes concediam a graça de lhes tirar a vida, pela espada, depois que seus corpos estavam esgotados, sob o peso de tantas dores e incapazes de continuar a senti-las. Durante a noite enchiam as pri­sões com os que apanhavam durante o dia, de lá tiravam os mortos para dar lugar aos vivos, que queriam trucidar do mesmo modo. O terror do povo era tal, que ninguém se atrevia abertamente nem a sepultar os mortos, nem a se lamentar, fossem mesmo parentes ou amigos. Para derramar lágrimas e lamentar seus mor­tos, eles tinham de encerrar-se em suas casas, olhar antes de todos os lados, para ver se não eram observados ou ouvidos por alguém, porque a compaixão era tida como um grande crime por aqueles monstros de crueldade, e não se podiam chorar os mortos sem perigo de perder também a vida. Tudo o que se podia fazer era cobrir durante a noite aqueles corpos com um pouco de terra, depois de terem sido tão desumanamente massacrados; fazê-lo durante o dia, era considerado ato de extrema coragem, e doze mil homens de nobre origem e que ainda se encon­travam em pleno vigor de sua idade morreram dessa maneira.

Por fim, aqueles tiranos, cansados de derramar tanto sangue, fingiram querer observar alguma forma de justiça e tendo determinado matar Zacarias, filho de Baruque, porque, além de sua ilustre origem, sua virtude, sua autorida­de, seu amor pelos homens de bem e seu ódio pelos maus, tornavam-no temível a eles mesmos e suas grandes riquezas eram um grande incentivo para sua ambi­ção. Escolheram setenta dos mais notáveis dentre o povo que constituíram apa­rentemente juizes, mas sem lhes dar, na verdade, poder algum. Perante eles, acusaram-no de ter querido entregar a cidade aos romanos e ter tratado a esse respeito com Vespasiano. Não se encontrando prova alguma, nem pelo menos a mínima probabilidade desse pretenso crime, não deixaram de afirmar que era verdadeiro e queriam que o testemunho que eles davam fosse suficiente para condenar o acusado.

Zacarias facilmente compreendeu que aquele julgamento era uma hipocrisia que iria terminar com sua prisão e depois com sua morte. Mas, embora não visse esperança alguma de salvação, nada diminuiu da firmeza de sua coragem. Co­meçou por censurar com desprezo os seus acusadores e o expediente tão vergo­nhoso de que se serviam para ocultar a verdade, com tão visíveis calúnias. Des­truiu depois em poucas palavras os crimes de que o acusavam e os fez recair sobre eles mesmos; disse-lhes como e qual fora, desde o princípio até então, a concatenação de crimes, que se sucedendo, uns aos outros, haviam produzido aquele amontoado de tudo o que a injustiça, o furor e a impiedade podem co­meter de mais horrível, e terminou deplorando aquele estado, mais infeliz do que se poderia imaginar, a que sua pátria se encontrava reduzida. Palavras tão generosas acenderam tal raiva no coração dos zelotes, que nada lhes pôde impe­dir de matar Zacarias, naquele mesmo instante, embora quisessem dar àquele julgamento uma aparência de justiça, até o fim, e ver se aqueles que eles haviam escolhido para juizes, teriam bastante coragem para não temer fazê-lo, numa circunstância em que eles não podiam agir sem correr risco da própria vida. Assim permitiram a esses setenta juizes que se pronunciassem e não havendo um só deles que não preferisse se expor à morte do que ao remorso de ter condena­do um homem de bem, pela maior de todas as injustiças, todos a uma voz decla­raram-no inocente. Ao ouvirem tal sentença os zelotes soltaram um grito de furor. Sua raiva não pôde tolerar que aqueles juizes não houvessem compreendi­do, que o poder que lhes haviam dado era imaginário, e do qual não queriam que eles fizessem uso algum; dois dos mais ousados daqueles homens atiraram-se sobre Zacarias e o mataram no meio do Templo, insultando-o ainda, depois de morto, dizendo com a mais cruel de todas as zombarias: “Recebe esta absol­vição que nós te damos e que é muito mais garantida que a outra”. Lançaram em seguida seu corpo numa vala comum que estava abaixo do Templo. Os setenta juizes foram expulsos indignamente a golpes de espada para fora do Templo, não porque um sentimento de humanidade os havia isentado de manchar as mãos no sangue daqueles homens, mas para que se tendo espalhado por toda a cidade fossem como outras tantas testemunhas, cuja deposição já não poderia permitir a ninguém duvidar de que a capital de um reino outrora florescente, não estava reduzida à escravidão.

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