Capítulo 12 – Fílon e seus colegas sabem que Caio tinha ordenado a Petrônio, governador da Síria, de mandar colocar sua estátua no Templo de Jerusalém.

Estando eu ocupado com estes pensamentos que não me davam descanso, nem de dia nem de noite, sobreveio uma outra desgraça que não teríamos podido prever e que não importava somente na ruína de uma parte de judeus, mas que de toda a nação, acabou por me deixar aniquilado. Nós tínhamos seguido o impera­dor a Puteolo, onde viera divertir-se à beira-mar; ele passava o tempo em casas de recreio muito suntuosas e que aí existiam em grande número, em nada pensava, menos ainda em tomar conhecimento dos nossos interesses, que nos haviam obri­gado a segui-lo e nem que esperávamos a todo momento o seu juízo. Um homem então chegou com o rosto perturbado, olhos esbugalhados, mal podendo respirar. Chamou alguns à parte e disse: “Não soubestes da terrível notícia?” Ele queria continuar, mas os soluços embargaram-lhe a voz e por mais que quisesse falar, não pôde fazê-lo. Pode-se julgar do nosso espanto e de nossa surpresa. Rogamos-lhe que nos revelasse a causa da sua aflição, pois não havia motivo para que ele tivesse vindo apenas para chorar diante de nós e se o assunto merecia tantas lágrimas, era bem justo que, estando tão acostumados a sofrer, como estávamos, misturásse­mos as nossas com as suas. Ele então fez um novo esforço e disse entre suspiros que lhe entrecortavam as palavras: “Está decretada a ruína do nosso Templo. O imperador ordenou que se colocasse a sua estátua no santuário e que se escrevesse na coluna o nome de Júpiter”. Tão espantosa notícia deixou-nos quase petrifica­dos, pois nos foi a mesma quase imediatamente confirmada, por outros. Retiramo-nos e nos encerramos em nossos aposentos para chorarmos a ruína particular e geral de nossa nação; como a dor é eloqüente que não nos fez ela dizer?

Assim, depois de nos termos exposto ao mais rigoroso inverno e aos perigos de tão difícil navegação, para procurar algum alívio aos nossos sofrimentos, encontramos em terra uma tempestade muito mais cruel do que a do mesmo mar, porque estas são naturais, e por conseguinte suportáveis, ao passo que aquela era causada por um homem que de homem só tinha a aparência, por um jovem monarca que só desejava perturbação e agitação, e que vendo seus desejos obstados por todas as forças do império, deixava-se levar sem impedimento algum a uma tirania desenfreada, o que era um mal tanto maior quanto não havia remédio! Quem teria a coragem de lhe dizer que ele não devia violar a santidade do mais augusto dos Templos? Poder-se-ia, sem perder a vida, opor-se por demonstrações à torrente de tão grande impiedade? Mor­ramos, então, dizíamos, pois que nada nos pode ser mais glorioso do que dar a vida pela defesa de nossas santas leis. Mas nossa morte não poderá produzir nenhum efeito bom e sendo embaixadores como somos, não seria isso aumentar ainda a aflição dos que nos mandaram e dar motivo às pessoas de nossa nação, que nos apreciam, de dizer que para nos livrarmos dos males presentes, em tais perigos, faltamos à repúbli­ca, embora os menores interesses devam ceder aos maiores e os particulares, aos públicos, porque, na perturbação de um Estado, todas as leis que lhe tinham conserva­do a grandeza e a existência perecem com ele? Não poderiam também imputar-nos como crime abandonarmos os direitos dos judeus de Alexandria e deixarmos um as­sunto, no qual se trata da ruína de toda nação, pelo motivo que dá, de temer que um príncipe tão violento e tão cruel não a queira destruir completamente? E se alguém disser que se se tomar um destes dois partidos, não se poderia daí tirar alguma vanta­gem, podemos pensar em nos retirarmos em segurança: eu respondo que, para fazer tal proposta, é preciso ou não ter ânimo ou ignorar nossas divinas leis. Os que são verdadeiramente generosos jamais perdem a esperança e nossos livros santos nos ensinam a conservá-la sempre. Deus quer talvez servir-se dessa oportunidade para provar a nossa virtude e ver se estamos dispostos a suportar com paciência as nossas amarguras. Assim, em vez de procurar nossa salvação no auxílio incerto dos homens, ponhamos toda nossa confiança em Deus, com firme certeza de que Ele nos ajudará como outrora nos ajudou e a nossos antepassados, em tantos perigos que pareciam fatais. Foi assim que nós procuramos nos consolar em um tão grande mal, tão impre­visto, e nos iludíamos com a esperança de tempos mais felizes.

Depois de ter ficado em silêncio um instante, dissemos àquele que nos tinha trazido a notícia: “Por que vos contentais de, por uma palavra ter lançado a perturbação em nosso espírito, como uma fagulha que causa um grande incên­dio e não nos dizeis o que levou o imperador a tomar tão estranha resolução?”

“Ninguém desconhece,” respondeu-nos, “que ele quer ser adorado como Deus; como está persuadido de que os judeus são os únicos que se recusam a reconhecê-lo como tal, julga não poder castigá-los e afligi-los mais do que desonrando a majestade do seu Templo e profanando-lhe a santidade, que ele sabe ser o mais belo do mundo e rico de inúmeros presentes, que lhe foram feitos no decorrer de tantos séculos, além de que sendo empreendedor e ousado como é, quer ainda dele se apoderar. Capitom, encarregado da arrecadação dos tributos da judéia, o irritou ainda mais contra nós por cartas que lhe escreveu. Como ele não tinha bens até então, quando foi enviado a essa província, ele se enriqueceu pelas arrecada­ções que fez, e quis prevenir por meio de calúnias as justas queixas que temia que os judeus fizessem dele, e serviu-se da oportunidade de que vou falar.

“Jâmnia é uma das cidades da judéia das mais povoadas e todos os seus habitan­tes são judeus, com exceção de alguns estrangeiros que aí vieram, para nossa des­graça, morar, das províncias vizinhas. Sua aversão por nossos costumes e leis é tão grande que procuram fazer-nos todo o mal possível e, tendo sabido que Caio arde na louca paixão de ser honrado como um deus e que ele concebeu para esse fim um ódio mortal contra nós, eles julgaram não poder encontrar um tempo mais propício para nos perder. Assim, elevaram-lhe um altar de tijolo, com esse único fim, porque eles sabem que jamais permitimos que se violem desse modo as leis de nossos pais; sua malícia produziu o efeito desejado. Os judeus destruíram esse altar e imediata­mente aqueles rebeldes foram queixar-se a Capitom, o autor da cilada, que tinham armado aos seus concidadãos para lhes causar a ruína. Aquele malvado, contente por ter conseguido o seu intento, não deixou de escrever a Caio e de exagerar naquela ação, acrescentando muito à verdade, a fim de irritar ainda mais o impera­dor. O príncipe presunçoso e violento apenas recebeu essa comunicação, e determi­nou que em vez de um altar de tijolo se erigisse a sua estátua de tamanho descomu­nal toda dourada e a colocassem no Templo de Jerusalém. Nisso teve como conse­lheiros dois grandes e eminentes personagens. Helicom, ilustre comediante e cínico por excelência, e Apeles, famoso artista, que depois de ter, ao que se diz, vendido sua beleza na juventude, subiu ao palco, quando estava mais avançado em anos e sabemos qual o pudor dos que abraçam essa profissão. Por essas excelentes qualida­des, esses dois homens chegaram a ser conselheiros de Caio. Ele seguia a um quanto à maneira de bem se divertir, e ao outro, na maneira de bem recitar seus versos, sem se importar de manter a paz no império e a tranqüilidade pública. Helicom, sendo egípcio, fere-nos com uma língua viperiana; Apeles, sendo ascalonita, é também nosso inimigo capital, e vomita contra nós todo o seu veneno”.

Cada uma das palavras daquele que nos fez esta relação era como uma pu-nhalada, que nos penetrava no coração, mas esses dois detestáveis conselheiros receberam bem depressa o castigo que merecia a sua impiedade. Caio mandou prender Apeles com ferros nos pés, por outros crimes, e torturá-lo na roda, de vez em quando, para aumentar e prolongar o seu suplício. Cláudio, tendo suce­dido a Caio no trono, também mandou matar a Helicom, por outras razões.

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