Capítulo 10 – Caio, estando já tão enraivecido contra os judeus de Alexandria, encontra um egípcio chamado Helicom, que tinha sido escravo, e se encontrava então em invejável posição junto dele, e irrita-o por meio de calúnias.
Caio chegou então ao máximo da vaidade e da loucura, dizendo não somente que ele era deus, mas acreditava-o e não encontrou povo algum, nem entre os gregos nem mesmo entre os bárbaros, mais próprios, que o de Alexandria, para satisfazer ao seu desejo, nessa idéia extravagante. Nenhum outro povo é mais falso do que esses habitantes, mais astutos, mais aduladores, nem tem tão pouco respeito pelo nome de Deus, pois não fazem dificuldade em dá-lo a íbis, às serpentes e aos outros animais. Assim, como eles são pródigos dessa honra, facilmente enganam aos outros que não sabem qual a impiedade dos egípcios, que lhes é impossível enganar os que a conhecem e a detestam. Caio, desconhecendo-lhes então a malícia, estava persuadido de que era de verdade e não por fingimento, que eles o julgavam um deus, porque o declaravam em voz alta e com todas as aclamações de que usam para demonstrar respeito para com os deuses; além de que considerava como provas de seu zelo os sacrilégios que eles tinham cometido naqueles oratórios e não havia poemas nem histórias que ele não lesse com tanto prazer, como as relações que lhe eram mandadas do que estava acontecendo sobre aquele assunto. Os seus domésticos que viviam preocupados em louvá-lo ou em censurá-lo em tudo o que lhes agradava ou desagradava, para isso ainda contribuíam; destes, a maior parte eram egípcios e infelizes escravos, educados desde a infância naquele erro abominavel, que os fazia adorar como deus serpentes e crocodilos. O chefe desse detestável grupo era um celerado de nome Helicom, que por maus meios se tinha introduzido no palácio. Tinha alguma noção das letras e aquele de quem antes tinha sido escravo e que lhas havia ensinado tinha-o dado a Tibério. Mas o príncipe não fizera grande caso dele, porque a maneira como tinha sido educado em sua juventude o tinha feito grave e severo, e o fazia desprezar as coisas pouco sérias. Quando depois de sua morte Caio sucedeu-o no império, aquele espírito perigoso, vendo que não havia voluptuosidade ou desregramento a que ele não se deixasse levar, disse consigo mesmo: “Eis um tempo, Helicom, que não te podia ser mais favorável; nada deixes então para procurar aproveitá-lo o mais possível. Tu tens um senhor tal como o poderias desejar. Ele te escuta; tu lhe agradas: tu tens o espírito flexível; és excelente na astúcia; os jogos, os gracejos e as ninharias, que lhe podem causar prazer são teu elemento. Tu és instruído nas ciências liberais e nas outras também. Não sabes somente agradar por tuas adulações, mas também por palavras cuja malícia tanto mais perigosa quanto mais oculta suscita a suspeita e a cólera contra os que queres prejudicar, quando teu senhor está com vontade de te ouvir, e o está quase sempre, tanto está disposto a dar ouvidos a maledicências e as calúnias. Não tens necessidade de pores em aflição para encontrar um motivo, para isso os judeus te fornecerão amplo material. Só tens que clamar contra suas leis e seus costumes, e é o que aprendeste deste sua meninice, não somente de alguns particulares, mas de quase todo o povo de Alexandria. Mostra então que sabes fazer”.
Helicom, cheio destes pensamentos, não abandonava Caio, nem de dia nem de noite, e nas horas mais particulares de seus divertimentos e prazeres não perdia ocasião alguma de irritá-lo contra os judeus por meio de imposturas, que faziam tanto mais efeito quanto eram ditas de maneira agradável e delicada. Ele não queria passar por inimigo, mas agia com astúcia e habilidade e fazia-lhes assim muito mais mal do que se se manifestasse abertamente e mostrasse seu ódio contra eles.
Quando os embaixadores dos habitantes de Alexandria, que nos tinham sempre declarado tão cruel guerra, souberam quanto esse infeliz homem lhes era útil, não somente lhe deram dinheiro, mas ainda prometeram-lhe grandes honras, logo que o imperador tivesse chegado a Alexandria, pois sabia-se que ele devia chegar em breve! Tudo então ele lhes prometeu, tanto se alegrava com o pensamento do prazer que sentiria em receber honras na presença dos embaixadores, que não deixariam de vir de todas as partes do mundo para aquela soberba cidade prestar suas homenagens àquele príncipe.
Como não sabíamos ainda que tínhamos na pessoa de Helicom um inimigo tão perigoso, só pensávamos em nos defender contra aqueles, dos quais não podíamos duvidar de que o fossem realmente. Mas, depois que o soubemos, usamos de todos os meios possíveis para procurar acalmá-lo e conquistá-lo. Nenhum outro nos causava mais mal e não no-lo poderia fazer ainda mais, pois ele estava em todos os jogos, em todos os divertimentos, em todos os banquetes e em todas as licenciosidades de Caio; seu cargo de mordomo de quarto, que era um dos principais do palácio, dava-lhe azo de desconsiderar a todo momento e seu amo sentia grande prazer em escutá-lo. Ele deixou todas as outras preocupações para só pensar em nos fazer mal com suas calúnias, misturando-as com boas palavras, de maneira tão agradável sob o pretexto de divertir a Caio e aparentemente sem má intenção, mas na realidade para nos perder; tal impressão fizeram em seu espírito que jamais se pôde apagar.
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