Capítulo 8 – Excelente discurso de Moisés. Leis que outorga ao povo.

Deuteronômio 4. Quando faltavam apenas trinta dias para se dizer que eram passados quarenta anos desde a saída do Egito, Moisés mandou reunir todo o povo no lugar onde está agora a cidade de Abilã, à margem do rio Jordão, terra muito rica em palmeiras, e falou-lhes deste modo: “Companheiros de meus longos trabalhos, com quem passei tantos perigos, tendo chegado à idade de cento e vinte anos, é tempo de deixar o mundo. Deus não quer que eu vos assista nos combates que tereis ainda de sustentar, depois de passardes o Jordão. Quero empregar esse pouco de vida que me resta para fortalecer a vossa felicida­de, quanto aos cuidados que dependem de mim, a fim de obrigar-vos a conser­var o afeto pela minha memória. Terminarei os meus dias com alegria, fazendo-vos conhecer em que devereis firmar a vossa felicidade e com que meios podereis conseguir uma semelhante para vossos filhos. E, como não prestaríeis fé às mi­nhas palavras? Pois não há testemunho pelo qual eu não me tenha esforçado em dar-vos que não fosse pelo interesse em vosso bem, e vós sabeis que os senti­mentos de nossa alma jamais são tão puros como quando ela está prestes a abandonar o corpo. Filhos de Israel, gravai fortemente em vosso coração que a única e verdadeira felicidade consiste em se ter a Deus como favorável. E Ele só pode concedê-la aos que dela se tornam dignos por sua piedade. É em vão que os maus se vangloriam na esperança de a conquistar. Mas se vos tornardes como Ele o deseja, o que vos exorto a ser, depois de terdes recebido as suas ordens, sereis felizes sempre, a vossa prosperidade será invejada por todas as nações do mundo, possuireis em definitivo o que já conquistastes e bem depressa entrareis na posse do que vos resta ainda conquistar. Cuidai somente em prestar a Deus uma fiel obediência: não prefirais outras leis às que vos dei, por sua ordem. Observai-as com grande cuidado e evitai principalmente mudar alguma coisa por desprezo criminoso ao que se refere à religião. Como tudo é possível aos que Deus ajuda, tornar-vos-eis os mais temíveis de todos os homens. Se seguirdes este conselho, sobrepujareis a todos os vossos inimigos e recebereis durante toda a vossa vida as maiores recompensas que a virtude pode conceder. A mesma virtude será a principal, porque é por meio dela que se obtêm todas as outras e somente ela vos pode tornar felizes e granjear-vos reputação e glória imortais entre as nações estrangeiras. Eis o que tendes motivo de esperar se observardes religiosamente — sem cessar e sem jamais permitir que sejam violadas — as leis que recebestes. Saio deste mundo com a consolação de vos deixar em grande prosperidade e recomendo-vos à sábia orientação de vossos chefes e magistra­dos, que jamais deixarão de ter por vós o máximo cuidado. Deus, porém, deve ser o vosso principal apoio. É somente a Ele que sois devedores de todos os benefícios que recebestes até agora por meu intermédio, e Ele não vos deixará de proteger, contanto que não deixeis de reverenciá-lo e de pôr toda a vossa confiança em seu auxílio. Tereis sempre pessoas honestas para vos dar excelentes instruções, como o sumo sacerdote Eleazar, Josué, os Senadores e os chefes de vossas tribos. Mas é necessário que lhes obedeçais com prazer, lembrando-vos de que aqueles que bem souberam obedecer saberão mandar quando forem elevados a cargos e dignidades. Assim, não imagineis, como fizestes até agora, que a liberdade consiste em desobedecer aos vossos superiores, o que é uma grande falta, da qual vos deveis absolutamente corrigir. Evitai também deixar-vos levar pela cólera contra eles, como fizestes tantas vezes para comigo, pois não vos podereis ter esquecido de que me pusestes em perigo de vida muito mais que a todos os nossos inimigos. Falo assim não para vos fazer repreensões ou censuras. Como desejaria eu, no tempo em que estou para me separar de vós, contristar-vos pela lembrança daquilo que já passou, se nem mesmo então mani­festei o menor ressentimento, quando as coisas se passavam? Aconselho-vos, no entanto, a vos tornardes mais sensatos para o futuro, porque não saberia fazer-vos compreender o quanto vos importa não murmurar contra os vossos superio­res quando, depois de terdes passado o Jordão e vos tornado senhores da provín­cia de Canaã, vos sentirdes repletos de todas as espécies de bens. Pois, se perderdes o respeito que deveis a Deus e abandonardes a virtude, Ele também vos abando­nará e tornar-se-á vosso inimigo. Perdereis com vergonha, pela vossa desobedi­ência, o país que conquistastes com o seu auxílio. Sereis levados escravos para todas as partes do mundo, e não haverá lugar na terra ou no mar onde não se conheçam os sinais de vossa escravidão. Não será então mais tempo de vos arrependerdes, porque não observastes as suas santas leis. E, a fim de não cair nessa desgraça, não deixeis com vida um só de vossos inimigos depois de os terdes vencido. Crede que é da máxima importância matá-los todos, sem pou­par um sequer, porque de outro modo podereis, pelas relações que tiverdes com eles, ser levados à idolatria e ao abandono das leis de vossos antepassados. Orde­no-vos também o emprego do ferro e do fogo para destruir de tal modo todos os Templos, altares e bosques consagrados aos seus falsos deuses que deles não reste o menor vestígio. E o único meio de vos conservardes na posse dos bens que desfrutareis. E, para que nenhum de vós se deixe levar para o mal, por igno­rância, escrevi por ordem de Deus as leis que deveis observar e a maneira como deveis proceder, tanto nos negócios públicos quanto nos particulares. Se as observardes inviolavelmente, sereis os mais felizes de todos os homens”.

Assim falou Moisés a todos os israelitas e deu-lhes um livro, no qual estavam escritas as leis e a maneira de viver que deveriam observar. Todos consideravam-no morto, e a lembrança dos perigos que havia corrido e das amarguras que sofrerá de tão boa mente por amor a eles fê-los chorar. E o sofrimento aumentou com a certeza de que lhes seria impossível tornar a encontrar um chefe igual a ele e que, não o tendo mais como intercessor, Deus já não lhes seria tão favorável. Esses mesmos pensamentos produziram neles tal arrependimento por se terem deixado levar em furor contra ele no deserto que não se podiam consolar. Ele, porém, pediu-lhes que cessassem de chorar e só pensassem em observar fielmente as leis de Deus. E a reunião assim se dissolveu.

Julgo dever dizer, antes de passar além, quais foram essas leis, para que o leitor conheça como são dignas da virtude de tão grande legislador e saiba quais são os costumes que observamos há tantos séculos. Narrá-las-ei do mesmo modo como foram dadas por esse homem admirável, sem acrescentar ornamento al­gum. Mudarei somente a ordem, porque Moisés as apresentou em tempos di­versos e em várias ocasiões, segundo Deus o ordenava. Sou obrigado a fazer essa observação a fim de que, se esta história cair nas mãos de algum dos de nossa nação, não seja eu acusado de faltar à sinceridade. Falarei aqui das leis relativas à política. Quanto às que se referem aos contratos que realizamos entre nós, falarei no tratado que espero, com a graça de Deus, escrever acerca de nossos costumes e das razões dessas leis. Vou então agora à primeiras:

Depois de terdes conquistado o país de Canaã e construído cidades, podereis desfrutar tranqüilamente o fruto de vossa vitória, e vossa felicidade será firme e duradoura, contanto que vos torneis agradáveis a Deus, observando as coisas que se seguem:

 

Êxodo 20ss, Deuteronômio 5ss e 16ss.

Na cidade que Deus escolher nesse país, a que chamarão Cidade Santa, em um planalto cômodo e fértil, construir-se-á um único Templo, no qual será ergui­do um único altar, com pedras não talhadas, mas escolhidas com tanto cuidado que quando estiverem unidas não deixem de ser agradáveis à vista. Não será preciso subir a esse Templo nem a esse altar por degraus, mas por um pequeno terraço em declive suave. Não haverá Templo ou altar em nenhuma outra cida­de, pois há um só Deus e uma única nação, a dos hebreus.

 

Êxodo 20.

Aquele que blasfemar contra Deus será apedrejado e dependurado durante um dia na forca. Depois será enterrado secretamente, com ignomínia.

Todos os hebreus, em qualquer país do mundo em que habitem, dirigir-se-ão três vezes por ano à Cidade Santa, ao Templo, para agradecer a Deus os seus bene­fícios e implorar o seu auxílio para o futuro e também para se fomentar a amizade entre vós, por meio das festas que se hão de fazer e por conversas que se hão de ter em conjunto. É justo que se conheçam os que pertencem a um mesmo povo e são governados pelas mesmas leis, e para isso nada mais apropriado que essas reuniões e assembléias, as quais, pela vista e pelas relações entre as pessoas, deixam a lem­brança gravada na memória, ao passo que os que jamais se viram passam por estran­geiros no espírito dos outros. Para esse fim, além das décimas devidas aos sacerdotes e aos levitas, reservareis outras, que vendereis cada qual em sua tribo e do que obtereis dinheiro para empregá-lo na Cidade Santa, nas festas sagradas que fareis nesses dias de regozijo. Porque é muito razoável fazer atos de alegria em honra a Deus com aquilo que provém das terras que possuímos pela sua liberalidade.

 

Deuteronômio 23.

Não se oferecerá em sacrifício o que procede do ganho da mulher de má vida, pois Deus não tem como agradável o que foi adquirido por meios ilícitos e por vergonhosa prostituição. Por essa mesma razão, não é permitido oferecer em sacrifício o que se tiver recebido por empréstimo de cães de caça ou de pastor para deles se tirar raça.

Não se falará mal dos deuses que as outras nações cultuam, nem se saquearão os seus Templos e nem se levarão as coisas oferecidas a alguma divindade, seja qual for.

Ninguém se vestirá de pano de linho e de lã misturados, porque isso é reser­vado somente aos sacerdotes.

Quando se reunirem na Cidade Santa, ao fim de sete anos, para solenizar a festa dos Tabernáculos, o sumo sacerdote subirá a um lugar elevado, de onde lera publicamente toda a Lei, tão alto que cada qual possa ouvi-la, sem que se impeçam às mulheres, às crianças e aos animais estarem presentes, pois é bom gravá-la dessa maneira nos corações, para que jamais seja apagada de sua memória e de modo a tirar-lhes a desculpa de terem pecado por ignorância. Porque as santas leis farão sem dúvida impressão muito forte em seu espírito quando eles mesmos ouvirem quais são os castigos que elas impõem e como serão puni­dos os que ousarem violá-las.

Deve-se antes de tudo ensinar às crianças essas mesmas leis, pois nada lhes poderá ser mais útil, e, pela mesma razão, apresentar-lhes duas vezes por dia, pela manhã e à noite, os benefícios de que são devedoras a Deus e a maneira como foram libertas da servidão dos egípcios, a fim de que lhe agradeçam os favores passados e tornem-no favorável para obter outros no futuro.

Deve-se escrever nas portas, para ter, assim, escritas em redor da cabeça e dos braços as coisas principais que Deus fez por nós, pois são grandes testemunhos de sua bondade e de seu poder, a fim de nos renovarem continuamente a sua lembrança.

Devem ser escolhidos para magistrados, em cada cidade, sete homens de virtude experimentada e hábeis no que concerne à justiça. A eles acrescentem-se dois levitas, e todos lhes prestem tanta honra que ninguém se atreva a dizer uma única palavra inconveniente em sua presença, a fim de que o hábito de prestar respeito aos homens os leve a reverenciar a Deus. Os julgamentos que esses magistrados pronunciarem serão executados, a não ser que tenham sido subornadospor presen­tes ou pareça visivelmente que julgaram mal, pois, sendo a justiça preferível a todas as coisas, é preciso ministrá-la sem interesse e sem favor. Do contrário, Deus seria tratado com desprezo e pareceria mais fraco que os homens se o temor de desgostar pessoas ricas e elevadas em autoridade fosse mais poderoso sobre o espírito dos juizes que o medo de violar a justiça, pois ela é a força de Deus. E, se os juizes encontram dificuldade em decidir certos assuntos, como muitas vezes pode aconte­cer, devem, sem nada pronunciar, levá-los integralmente à Cidade Santa, ao sumo sacerdote, ao profeta e ao Senado, que os julgarão segundo a sua consciência.

 

Deuteronômio 19.

Não se prestará fé a uma única testemunha. Elas devem ser três ou pelo me­nos duas, e pessoas sem culpa.

As mulheres não serão recebidas como testemunhas, por causa da fragilidade de seu sexo e porque falam muito atrevidamente.

Os escravos também não poderão ser testemunhas, porque a baixeza de sua condição lhes abate o ânimo, e o temor ou o interesse pode levá-los a depor contra a verdade.

Aquele contra o qual se provar que proferiu falso testemunho sofrerá o mesmo castigo que se imporia ao acusado, caso fosse condenado por seu testemunho.

 

Deuteronômio 21.

Quando um assassínio for cometido, sem que se saiba quem é o criminoso nem se tenha motivo para suspeitar de alguém tê-lo perpetrado por ódio ou por vingan­ça, é preciso informar-se com exatidão e mesmo propor uma recompensa a quem o puder descobrir. E, se ninguém for dado como criminoso, os magistrados das cida­des vizinhas do lugar onde o assassínio foi cometido reunir-se-ão com o Senado para saber qual dessas cidades é a mais próxima do lugar onde foi encontrado o corpo do morto. Então essa cidade comprará uma novilha, que será levada a um vale tão estéril que nele não cresçam cereais nem ervas. Ali os sacerdotes e os levitas, depois de lhe terem cortado os nervos do pescoço, lavarão as mãos e as colocarão sobre a cabeça da novilha, protestando em alta voz, juntamente com os magistrados, que não estão manchados com esse crime, que não o cometeram e que nem estavam presentes quando foi cometido, e rogando a Deus que aplaque a sua cólera e jamais permita que semelhante infelicidade volte a suceder naquele lugar.

A aristocracia é sem dúvida uma forma muito boa de governo, porque põe a autoridade nas mãos de várias pessoas de bem. Abraçai-a, então, a fim de terdes por senhores apenas as leis que Deus vos dá, pois vos deve ser suficiente que Ele queira ser o vosso guia.

 

Deuteronômio 17.

Se desejardes um rei, escolhei um que seja da vossa nação e ame a justiça e todas as outras virtudes. Por mais capaz que possa ser, é necessário que se atenha mais a Deus e às leis que à sua própria sabedoria e governo; que nada faça sem o conselho do sumo sacerdote e do Senado; e que não tenha várias mulheres e nem sinta prazer em ajuntar dinheiro e criar muitos cavalos, para que isso não o leve ao desprezo das leis. E, se ele se envolver em excesso com essas coisas, deveis impedir, para o bem público, que ele se torne mais poderoso que necessário.

Não se devem mudar os limites, tanto nas próprias terras quanto nas dos ou­tros, pois servem para manter a paz. Eles devem permanecer fixos e imutáveis como se o próprio Deus os houvesse marcado, porque a mudança pode dar motivo a grandes divergências e litígios, e aqueles cuja avareza não pode tolerar que se ponham limites à sua ganância são facilmente levados a desprezar e violar as leis.

 

Levítico 25.

Não poderão servir para uso particular e nem se oferecerão a Deus as primícias dos frutos que as árvores produzirem antes do quarto ano, a contar do tempo em que tiverem sido plantadas, porque são como frutos abortados, e tudo o que é contrário às leis da natureza não é digno de ser oferecido a Deus nem próprio para alimentar os homens. Quanto aos frutos que as árvores produzirem no quarto ano, aquele que os colher os levará à Cidade Santa para, com as outras décimas, oferecer a Deus as primícias e comer o resto com os amigos, os órfãos e as viúvas. Mas, a começar do ano seguinte, que será o quinto, poderá fazer de seus frutos o uso que desejar.

Nada se deve semear numa vinha, porque é suficiente que a terra a alimente sem que se abra com o arado o seu seio.

Deve-se arar a terra com bois, sem juntar outros animais ou atrelar espécies diferentes à mesma charrua.

Não é conveniente, do mesmo modo, misturar duas ou três espécies de se­mentes para lançar à terra. Porque não agrada à natureza essa mistura. Não se devem também acasalar animais de várias espécies, para que os homens, por esse motivo, não se acostumem a tal mistura, que é abominável, pois aquilo que a princípio parece de pouca importância facilmente produz efeitos perigosos. Deve-se, por essa razão, tomar muito cuidado para não permitir imitação que possa corromper os bons costumes. Eis por que as leis regulam mesmo as coisas mínimas quando se trata de manter a todos no próprio dever.

 

Deuteronômio 24.

Os ceifadores devem não somente evitar recolher com demasiada avareza as espigas como também deixar algumas para os pobres. Devem, do mesmo modo, deixar alguns cachos na videira e azeitonas nas oliveiras. Pois essa feliz negligên­cia, longe de causar prejuízo ao que a pratica, traz-lhe proveito, pela sua carida­de. E Deus tornará mais fecunda a terra daquele que, não se prendendo muito aos próprios interesses, não deixa de considerar os dos outros.

Quando os bois pisam o grão, não se deve atar-lhes a boca, pois é razoável que tirem proveito de seu trabalho.

Não se deve, do mesmo modo, impedir a um transeunte, quer do país, quer estrangeiro, tomar e comer maçãs quando estiverem maduras. Ao con­trário, é bom dá-las de boa mente, sem que, porém, ele as leve consigo. Não se deve também impedir àqueles que trabalham no lagar que experimentem as uvas, pois é justo tornarmos os outros participantes dos bens que apraz a Deus nos conceder, pois essa estação, que é a mais fértil do ano, dura pouco tempo. Se alguém tiver vergonha de tocar nas uvas, deve-se mesmo pedir a ele que as apanhe. (Se forem israelitas, a proximidade que há entre nós deve torná-los não apenas participantes, mas senhores daquilo que possuímos. Se forem estrangeiros, devemos desempenhar para com eles a hospitalidade, sem julgar perder alguma coisa por esse pequeno presente que lhes fazemos dos frutos que recebemos da liberalidade de Deus, pois Ele não nos enriquece somente para nós, mas deseja também dar a conhecer aos outros povos, pela participação que lhe permitimos em nossos bens, a sua munificência para conosco.)

Se alguém desobedecer a esses mandamentos, receberá trinta e nove golpes de chicote. Será castigado com essa pena servil porque, sendo livre, tornou-se escravo de seus bens e a si mesmo se desonrou. (Que há de mais razoável, depois de sofrermos tanto no Egito e no deserto, que termos compaixão das misérias dos outros e, tendo recebido tantos bens da bondade infinita de Deus, distribuir­mos uma parte aos que deles têm necessidade?)

Além das duas décimas que é obrigatório pagar a cada ano, uma aos levitas e outra para as festas sagradas, deve-se pagar uma terceira, para ser distribuída às viúvas, aos pobres e aos órfãos.

 

Deuteronômio 26.

As primícias de todos os frutos devem ser levadas ao Templo e oferecidas aos sacerdotes, depois de terdes rendido graças a Deus por vos ter dado a terra que os produz e feito os sacrifícios que a Lei determina. Aquele que vier pagar essas duas décimas, das quais uma deve ser dada aos levitas e a outra empregada nos festins sagrados, apresentar-se-á à porta do Templo antes de voltar para casa e dará graças a Deus por haver libertado o povo da escravidão do Egito e dado a ele uma terra tão fértil e abundante. Declarará em seguida que pagou as décimas segundo a lei de Moisés e rogará a Deus que lhe seja sempre favorável. (É Ele quem conserva os bens que nos deu, sem nada acrescentarmos de novo.)

Quando os homens chegarem à idade de se casar, desposarão jovens de con­dição livre, cujos pais sejam gente de bem. Aquele que recusar casar-se dessa maneira, a fim de desposar a mulher de outro, que obteve com artifícios, não poderá fazê-lo, para não contristar o primeiro marido.

Por mais amor que os homens tenham por mulheres escravas, não devem desposá-las, mas dominar a sua paixão, pois a honestidade e a boa educação a isso os obrigam.

A mulher que se prostituiu não poderá casar-se, porque, tendo sido desonra­do o seu corpo, Deus não receberá os sacrifícios que lhe forem oferecidos por semelhantes casamentos. Além disso, as crianças que nascem de pais virtuosos possuem índole mais nobre e mais inclinada à virtude que as originárias de alian­ça vergonhosa ou contraída por amor impudico.

 

Deuteronômio 24.

Se alguém, depois de ter desposado uma jovem que passava por virgem, julga ter motivo para crer que já não o é, a fará citar à justiça e trará as provas de sua suspeita. O pai ou o irmão ou, em sua falta, o parente mais próximo da moça a defenderá. Se ela for declarada inocente, o marido será obrigado a mantê-la sem poder jamais despedi-la, a não ser por grande falta, que não possa ser con­testada. E, como castigo pela calúnia e pelo ultraje que fez à sua inocência, rece­berá trinta e nove golpes de chicote e dará cinqüenta sidos ao pai da moça. Mas se ela for culpada e provir de família leiga, será apedrejada. Se for da descendên­cia dos sacerdotes, será queimada viva.

 

Deuteronômio 2 1.

Se um homem desposou duas mulheres e tem mais afeto a uma delas, quer por causa da beleza, quer por alguma outra razão, e o filho da que ele mais ama seja mais moço que o da que ele menos ama e aquela o queira na partilha, como se fosse o mais velho, a fim de que, segundo as leis, tenha dupla porção, não deve o marido atender-lhe o pedido. Porque não é justo que a infelicidade de a mãe ser menos amada pelo marido seja causa de injustiça ao direito de primogenitura que o seu filho adquiriu pelo privilégio do nascimento.

 

Deuteronômio 22.

Se alguém corrompeu uma jovem, noiva de outro, tendo ela lhe dado o con­sentimento, ambos serão castigados de morte, pois são culpados: o homem por ter persuadido a moça a preferir um prazer infame à honestidade do matrimônio legítimo e ela por ter assim consentido ou pelo desejo do dinheiro ou por vergo­nhosa volúpia.

Aquele que desonra uma moça que encontra sozinha e a quem ninguém pode socorrer será castigado de morte.

Aquele que abusa de uma jovem ainda não prometida a ninguém será obri­gado a desposá-la ou a pagar cinqüenta sidos ao pai da moça, se este não a quiser dar em casamento.

Aquele que por qualquer motivo quiser separar-se da mulher, como acontece freqüentemente, prometer-lhe-á por escrito que jamais a tornará a pedir de vol­ta, a fim de que ela tenha liberdade de tornar a casar-se — e não se permitirá o divórcio senão com essa condição. E se, depois de haver casado com outro, esse segundo marido a tratar mal ou vier a morrer e o primeiro a quiser receber de novo, não lhe será permitido voltar para junto dele.

 

Deuteronômio 25.

Se um homem morre sem filhos, o irmão dele desposará a viúva e se dela tiver um filho dar-lhe-á o nome do falecido e o considerará herdeiro deste, pois é vantajoso para a República que o bem se conserve desse modo nas famílias, e será uma consolação para a viúva viver com uma pessoa tão próxima de seu marido. Se o irmão do falecido recusar desposá-la, ela declarará diante do Sena­do que ele não se incomodou em mantê-la na família do marido nem em lhe dar filhos e que esse cunhado, a quem ela queria desposar, fez à memória do irmão a injúria de não querer saber dela. Quando o Senado o fizer vir para perguntar-lhe qual a razão disso e ele fizer alguma alegação, quer boa, quer má, ela descal­çará um dos sapatos do cunhado que a recusou e cuspir-lhe-á no rosto, dizendo que ele merece receber essa afronta porque fez grande ultraje â memória do irmão. Assim, ele sairá do Senado com essa mancha, que lhe marcará pelo resto da vida, e a mulher poderá casar-se com quem bem entender.

 

 

Deuteronômio 21.

Se alguém tomar na guerra uma mulher como prisioneira, seja virgem, seja casada, e quiser contrair com ela um matrimônio legítimo, é preciso que antes ela se vista de luto, que lhe cortem os cabelos e que ela chore os parentes e amigos mortos no combate, para que depois de satisfazer à dor possa ter o espí­rito mais livre para as festas de núpcias. Porque é justo que aquele que toma uma esposa com o propósito de ter filhos dê alguma coisa aos bons sentimentos dela e não se entregue de tal modo ir ao prazer que venha a desprezá-los. Após um luto de trinta dias, tempo suficiente para as pessoas sensatas chorarem os paren­tes e amigos, poder-se-á celebrar o casamento. Se o homem depois de ter sa­tisfeito à sua paixão vier a desprezar essa mulher, não lhe será mais permitido tê-la como escrava: ela tornar-se-á livre e poderá ir para onde quiser.

 

Deuteronômio 21.

Se houver filhos que não prestem aos progenitores a honra que lhes é devida, mas os desprezem e vivam insolentemente com eles, esses progenitores, que a natureza faz juizes daqueles, deverão fazer-lhes ver que ao se casar não tinham por objetivo a voluptuosidade nem o desejo de aumentar o próprio bem, e sim ter filhos que os pudessem auxiliar na velhice e que, havendo-os recebido de Deus, os receberam com alegria e ação de graças e os educaram com toda espé­cie de cuidados, sem nada poupar para bem instruí-los. E acrescentarão estas palavras: “Mas como é preciso perdoar alguma coisa à juventude, contentai-vos pelo menos, meu filho, de terdes até aqui cumprido tão mal o vosso dever. Refle­ti, procurai ser mais sensato e lembrai-vos de que Deus tem como feitas contra Ele mesmo as ofensas que se cometem contra aqueles dos quais se recebeu a vida, pois Ele é o pai comum de todos os homens, e a Lei determina, por esse motivo, uma pena irremissível, e eu ficaria muito sentido se fósseis tão infeliz que a devêsseis merecer”.

Se depois de todas essas palavras a criança se corrigir, será bem perdoar-lhe as faltas que houver cometido mais por ignorância que por malícia, e assim louvar-se-á a sabedoria do legislador e os pais serão felizes por ver que o filho não sofrerá o castigo que as leis determinam. Mas se essa sábia repreensão for inútil e a criança persistir na desobediência e permanecer insolente para com os pais, tornando-se inimiga das leis, ela será levada para fora da cidade e apedrejada à vista de todo o povo. E, depois que o seu corpo tiver sido exposto em público durante todo o dia, será enterrada à noite.

 

Deuteronômio 23.

A mesma coisa se há de observar a respeito daqueles que forem condenados à morte: enterrar-se-ão até mesmo os inimigos. Nenhum morto deve ser deixa­do sem sepultura, pois seria levar muito além a sua punição.

Não será permitido a israelita algum emprestar com usura dinheiro, alimento algum ou bebida de qualquer espécie, porque não é justo aproveitar-se da misé­ria dos outros da mesma nação. Deve-se, ao contrário, considerar uma honra ajudá-los e esperar recompensa somente de Deus. Aqueles que tomarem em­prestado dinheiro, frutos secos ou líquidos deverão restituí-los quando Deus lhes permitir colhê-los, e com a mesma alegria com que os pediram emprestado, porque é o melhor meio de os encontrar se vierem a cair em semelhante miséria.

 

Deuteronômio 24.

Se o devedor não tem vergonha de deixar de pagar a dívida, o credor não deverá, no entanto, ir à sua casa pedir um penhor, como garantia, mas terá de esperar que a justiça o ordene. Só então o poderá solicitar, sem todavia entrar na casa do devedor, que será obrigado a entregar-lhe o penhor imediatamente, pois não é permitido opor-se àquele que vem amparado pelo auxílio das leis. Se o devedor estiver em boa situação, o credor poderá conservar esse penhor até ser reembolsado daquilo que emprestou. Mas se é pobre, deverá restituí-lo antes que o sol se ponha, principalmente se forem vestes, a fim de que possa cobrir-se à noite, porque Deus tem compaixão dos pobres. Não se poderá tomar como pe­nhor uma mula nem coisa alguma que sirva para o moinho, a fim de não se au­mentar ainda mais a miséria dos pobres tirando-lhes os meios de ganhar a vida.

Aquele que retiver em escravidão um homem livre de nascimento será castigado com a morte. Aquele que roubar ouro ou prata será obrigado a restituir o dobro.

Aquele que matar um ladrão doméstico ou um homem que tenha tentado saltar o muro de sua casa para roubar não será castigado.

Aquele que roubar um animal pagará o quádruplo de seu valor. Se for um boi, pagará cinco vezes o que ele vale. Ou será reduzido à escravidão, se não tiver meios de pagar a multa.

Se um hebreu for vendido a outro hebreu, ficará seis anos como seu escravo, mas no sétimo ano será posto em liberdade. Se enquanto estiver na casa de seu senhor desposar uma mulher escrava como ele, tiver filhos dela e por causa da afeição que lhes tem preferir permanecer escravo com eles, será libertado, com a mulher e os filhos, no ano do Jubileu.

 

Deuteronômio 22.

Se alguém achar ouro ou prata na estrada, será divulgado a som de trombe-ta o lugar onde foi encontrado esse bem, a fim de que seja restituído a quem o perdeu, porque não se deve tirar vantagem do prejuízo alheio. A mesma coisa deve ser feita com os animais que se encontrarem perdidos ou desgarrados no deserto. E, se não se puder saber a quem eles pertencem, poderão ser conser­vados, depois de se tomar a Deus como testemunha de que não existe absolu­tamente intenção de se tirar proveito do bem alheio.

Quando for encontrado algum animal de carga atolado num pântano, deve-se tentar retirá-lo de lá como se fosse próprio.

Em vez de se zombar de quem está perdido ou de se divertir ao vê-lo em tal aflição, deve-se encaminhá-lo à verdadeira estrada.

Não se deve falar mal nem de um surdo nem de um ausente.

Se numa briga inesperada um homem ferir outro sem ter empregado ferro, deve ser castigado, recebendo tantos golpes quantos desferiu. Se o ferido vier a morrer depois de ter vivido muito tempo após o ferimento, aquele que o feriu não será castigado como assassino. E, se o ferido sarar, aquele que o feriu será obrigado a pagar todas as despesas, bem como aos médicos.

Se alguém der um pontapé numa mulher grávida e ela der à luz antes do tempo, será condenado a uma multa em favor dela e a outra em favor do marido, porque diminuiu o número do povo, impedindo um homem de vir ao mundo. Se a mulher morrer por causa do golpe que recebeu, ele será castigado com a morte, porque exige a Lei que quem tirar a vida de outrem também venha a perder a própria vida.

Quem for encontrado trazendo veneno consigo será castigado com a morte, porque é justo que venha a sofrer o mesmo mal que desejou fazer a outrem.

Se um homem vaza os olhos a outro, ser-lhe-ão também vazados os seus, porque é razoável que seja tratado tal como tratou ao outro, caso o que perdeu a vista não preferir ser ressarcido com dinheiro: isso a Lei deixa escolher.

O dono de um boi que tem probabilidade de ferir com os chifres é obrigado a matá-lo. E, se o boi ferir alguém e o matar, será morto imediatamente a pedra­das e não se comerá a sua carne. E, se o dono sabia que o boi era perigoso e não tomou providências a esse respeito, será castigado com a morte, porque causou a morte de alguém. Se a pessoa morta pelo boi for escrava, o boi será apedrejado e serão pagos trinta sidos ao dono do escravo. Se um boi matar outro boi, am­bos serão vendidos e o dinheiro será dividido entre os donos.

Quem cavar um poço ou uma cisterna terá grande cuidado em cobri-lo, não para impedir que se tire água, mas para que ninguém lá venha a cair. E se, por não haver assim procedido, algum animal lá cair e morrer, será obrigado a pagar o preço do animal ao seu proprietário. É preciso colocar cercas em redor dos telhados das casas, para que ninguém de lá venha a cair.

 

Levítico 6.

Aquele a quem um depósito for confiado, conservá-lo-á como coisa sagra­da e não o dará a quem quer que seja, por coisa alguma que se lhe possa oferecer. Pois, embora não haja testemunhas para acusá-lo, ele deve ter em conta o testemunho da consciência e o quanto deve a Deus, que não pode ser enganado pela malícia ou pelos artifícios dos homens. E, se o depositário perder o depósito, sem culpa irá procurar os sete juizes de que se falou e tomará a Deus por testemunha, jurando em sua presença que não teve parte alguma no furto nem fez uso algum do depósito. Assim, será livre do compro­misso. Mas, por pouco que dele se tenha servido, será obrigado a restituir o depósito inteiro.

 

Deuteronômio 24.

Deve-se ser bastante consciencioso em pagar o salário a que fazem jus os operários com o suor do rosto, pois Deus, em vez de terras e de bens, deu braços aos pobres, para ganharem a vida. Pela mesma razão, não se deve adiar para o dia seguinte o pagamento que lhes é devido. Devem ser pagos no mes­mo dia, porque Deus não quer vê-los prejudicados por não receberem o que granjearam.

As crianças não devem ser castigadas pelos pecados dos pais porque, sendo elas virtuosas, são dignas de serem lamentadas por terem nascido de pessoas viciadas e não devem ser odiadas em razão das faltas cometidas por seus proge-nitores. Não se deve, do mesmo modo, imputar aos pais os defeitos dos filhos, e sim atribuí-los à má natureza destes, que os fez desprezar as boas lições que lhes deram aqueles e os impediu de aproveitá-las.

Deve-se fugir e ter horror aos que se tornaram eunucos voluntariamente e assim perderam o meio que Deus lhes deu de contribuir para a multiplicação dos homens. Porque além de terem procurado quanto estava neles diminuir-lhes o número e serem de algum modo homicidas de crianças, das quais poderiam ter sido os pais, não poderiam cometer tal ação sem ter antes machucado a pureza da própria alma, pois é fora de dúvida que se ela não se tivesse efeminado eles não teriam posto o corpo num estado que os assemelha às mulheres. Assim, é preciso rejeitar tudo o que, sendo contra a natureza, pode passar a monstruoso. Não se deve privar nem o homem nem animal algum do sinal de seu sexo.

Essas são as leis que sereis obrigados a observar durante a paz, a fim de tornardes Deus favorável. E, para que nada as possa perturbar, rogo-vos que nunca permitais que elas sejam abolidas e substituídas por outras. Mas, sendo impossível que não haja amotinação nos países mais bem organiza­dos e que os homens não caiam em desgraça, improvisada ou voluntária, é preciso que eu vos dê, além de tudo, alguns avisos a esse respeito, de modo a não serdes surpreendidos nessas ocasiões e a estardes preparados para o que deveis fazer.

É meu desejo que quando tiverdes obtido por vosso trabalho, com o auxílio de Deus, o país que Ele vos destinou, vós o possais possuir em paz e com plena tranqüilidade; que não sejais perturbados, nem pelos ataques de vossos inimigos nem por divisões intestinas; e que, em vez de abandonar as leis e o proceder de vossos antepassados para abraçar outras que lhes sejam inteiramente opostas, permaneçais firmes na observância daquelas que o próprio Deus vos outorgou. Mas se vós ou os vossos descendentes fordes obrigados a fazer guerra, desejo de todo o meu coração que isso jamais ocorra no vosso país. Nesse caso, deve-se começar enviando arautos para declarar aos vossos inimigos que em qualquer condição que estejais, tanto na cavalaria como na infantaria, e principalmente tendo a Deus por protetor e guia de vossos exércitos, preferis não serdes obrigados a lançar mão das armas, pois não tendes nenhum desejo de vos aproveitardes disso.

Se as vossas palavras os persuadirem a continuar em paz convosco, será muito melhor não rompê-la. Se eles as desprezarem, porém, e não temerem declarar-vos uma guerra injusta, marchai corajosamente contra eles, tomando a Deus por co­mandante e general e para comandar, abaixo dEle, o mais sábio e experimentado de vossos capitães, pois a pluralidade de chefes com igual autoridade, em lugar de ser vantajosa, é muitas vezes prejudicial, pela demora que traz à execução das empresas. Quanto aos soldados, é preciso escolher os mais valentes e robustos, sem misturar com eles os fracos e covardes, pois estes, em vez vos serem úteis, sê-lo-ão aos vossos inimigos, fugindo quando deveriam combater.

Não se obrigará a ir à guerra os que tiverem construído uma casa até que nela tenham habitado durante um ano, nem os que tiverem plantado uma vinha até que dela tenham recolhido os frutos e nem os recém-casados, pois estes, pelo desejo de se conservarem para desfrutar os prazeres que lhes são caros, podem vir a afrouxar a coragem e poupar a vida demasiadamente.

Observai nos vossos acampamentos uma disciplina rigorosa, e quando atacardes uma praça e tiverdes necessidade de madeira para fazer máquinas, evitai cortar as árvores frutíferas, porque Deus as criou para utilidade dos ho­mens, e, se elas pudessem falar e mudar de lugar, queixar-se-iam do mal que lhes estaríeis fazendo sem vos terem dado motivo para isso e ir-se-iam estabe­lecer em outras terras.

Quando sairdes vitoriosos, matai os que vos resistirem no combate, mas poupai os outros, para torná-los tributários, exceto os cananeus, que exterminareis com­pletamente.

 

Deuteronômio 22.

Ficai atentos a tudo o que se refere à guerra, principalmente para que nenhu­ma mulher se disfarce de homem e nenhum homem de mulher.

Essas foram as leis que Moisés deixou à nossa nação. Ele deu também as que havia escrito quarenta anos antes, das quais falaremos em outro lugar.

Deuteronômio 30, 31, 32 e 34. Esse homem admirável continuou nos dias seguintes a reunir o povo, pediu a Deus com fervorosas orações que os assistisse, se eles observassem as suas santas leis, e fez imprecações contra aque­les que a elas faltassem. Deu-lhes depois um cântico que havia composto em versos hexâmetros, no qual predizia as coisas que lhes deviam acontecer, das quais uma parte já se realizou e o resto realizar-se-á depois, sem que se tenha podido notar uma mínima coisa que não fosse conforme à verdade. Entregou esse livro sagrado à guarda dos sacerdotes, juntamente com a arca, na qual esta­vam as duas Tábuas da Lei, e confiou-lhes o cuidado do Tabernáculo.

Ele recomendou ao povo que quando estivessem de posse da terra de Canaã se recordassem da injúria que haviam recebido dos amalequitas e lhes declarassem guerra, para castigá-los como mereciam, pela maneira injuriosa com que os haviam tratado no deserto.

 

Deuteronômio 27 e 28. Ordenou-lhes também que, depois de conquistar essa mesma terra de Canaã e de passar todos os seus habitantes a fio de espada, cons­truíssem perto da cidade de Siquém um altar voltado para o oriente, que tivesse à direita o monte Gerizim e à esquerda o Ebal, e que em seguida se dividisse todo o exército em dois, colocando seis tribos sobre um monte e seis sobre o outro e dividindo igualmente os sacerdotes e os levitas entre os dois montes.

Então os que estivessem sobre o monte Gerizim pediriam a Deus que abenço­asse os que observassem com piedade as leis dadas por Moisés. Os que estives­sem sobre o monte Ebal confirmariam com aclamações esse pedido e pronunci­ariam, por sua vez, as mesmas bênçãos, ao que os outros responderiam com os mesmos clamores de alegria. Por fim, fariam uns depois dos outros, na mesma ordem, todas as espécies de imprecações contra os violadores das leis de Deus. Moisés mandou escrever todas essas bênçãos e maldições e, para melhor conser­var-lhes a recordação, mandou gravá-las nos dois lados do altar e permitiu ao povo que dele se aproximasse somente naquele dia de oferecer holocaustos, o que lhes era proibido pela Lei. Esses foram os mandamentos que Moisés outor­gou aos hebreus e que eles observam ainda hoje.

Deuteronômio 29. No dia seguinte, mandou reunir todo o povo e quis que as mulheres, as crianças e mesmo os escravos estivessem presentes. Obri­gou-os todos a jurar que observariam inviolavelmente e conforme a vontade de Deus todas as leis que ele lhes havia concedido por ordem dEle, sem que nem o parentesco, nem o favor, nem o medo, nem qualquer outra consideração os pudesse levar a transgredi-las. E, se algum dos parentes ou alguma cidade, sem motivo, quisesse fazer coisas que lhes fossem contrárias, todos, em geral e em particular, os dominariam à força e, depois de vencer esses ímpios, destruiriam as suas cidades até os alicerces, sem que restasse, se possível, o menor vestígio delas. Se não fossem bastante fortes para vencê-los e castigá-los, que ao menos demonstrassem horror pela sua impiedade. Todo o povo prometeu com jura­mento observar essas coisas.

Moisés instruiu-os depois sobre a maneira como deviam fazer os sacrifícios, a fim de torná-los mais agradáveis a Deus. Recomendou-lhes ainda que não se metessem em guerra alguma, senão depois de reconhecer, pelo brilho extraordi­nário das pedras preciosas que estavam sobre o racional do sumo sacerdote, que Deus aprovava que eles as empreendessem.

1 Josué então predisse, pelo espírito de profecia, mesmo ainda vivendo Moisés e em presença deste, tudo o que faria para o bem do povo ou na guerra, pelas armas, ou na paz, pela publicação de várias leis boas e santas. Exortou-os a praticar com cuidado a maneira de viver que lhes acabava de ser determinada e disse-lhes que Deus lhe havia revelado que, se eles se afastassem da piedade de seus antepassados, seriam oprimidos por toda espécie de desgraças: o seu país se tornaria presa de nações estrangeiras e os seus inimigos destruiriam as suas cida­des, queimariam o Templo e levá-los-iam escravos. Eles gemeriam numa escravi­dão tanto mais dolorosa quanto teriam por senhores homens sem piedade e então se arrependeriam, porém muito tarde, de sua desobediência e ingratidão. Todavia a infinita bondade de Deus não deixaria de restituir as cidades aos seus antigos habitantes e o Templo ao seu povo, o que aconteceria não somente uma vez, mas diversas.

Deuteronômio 31, 33 e 34. Moisés ordenou em seguida a Josué que le­vasse o exército contra os cananeus, assegurando-lhe que Deus o assistiria na­quela empresa e desejando toda espécie de felicidade ao povo, e assim falou-lhes: “Hoje Deus resolveu terminar a minha vida, e devo ir encontrar-me com os meus pais. É bem justo que antes de morrer eu lhe dê graças na vossa presença pelo cuidado que teve de vós, não somente vos livrando de tantos males, mas vos cumulando de tantos bens, e por me assistir nas dificuldades que tive de enfrentar para vos proporcionar tantos benefícios. Pois é somente a Ele que deveis o começo e a realização de vossa felicidade. Eu fui apenas o seu ministro e só ei as suas ordens, que são efeitos de sua onipotência, de que eu não saberia dar graças o suficiente nem teria como rogar-lhe a continuidade. Deixo cum­prido esse dever e rogo-vos que graveis na memória um tão profundo respeito por Deus e tanta veneração por suas santas leis que as considereis sempre como o maior de todos os favores que Ele vos fez e que jamais poderíeis dEle receber. Se um legislador, embora sendo um homem, não iria tolerar que se desprezas­sem as leis criadas por ele e castigaria o desprezo a elas com todas as suas forças, imaginai qual será a cólera e a indignação de Deus, se deixardes de observar as suas. Rogo a Ele de todo o meu coração que não permita sejais tão infelizes para merecê-lo”.

Depois de assim falar, Moisés predisse a cada uma das tribos o que lhe deveria acontecer e desejou-lhes mil bênçãos. Toda aquela enorme multidão não pôde por mais tempo reter as lágrimas. Homens e mulheres, grandes e peque­nos, todos demonstraram igualmente o seu pesar por perder um chefe tão ilus­tre. Não houve mesmo criança que não derramasse lágrimas: a sua eminente virtude não podia ser ignorada nem mesmo pelos dessa idade.

Dentre as pessoas sensatas, umas deploravam a gravidade de sua perda para o futuro e outras queixavam-se de não terem compreendido o bastante a felicidade que era para eles ter um tal chefe e guia e de serem privados dele quando o começavam a conhecer. Nada, porém, demonstrou tão bem até que ponto che­gava a aflição deles como o que aconteceu a esse grande legislador. Pois ainda que estivesse convencido de que não era necessário chorar à hora da morte, pois ela vem por vontade de Deus e por uma lei indispensável da natureza, ele ficou tão comovido pelas lágrimas de todo o povo que não pôde deixar de chorar.

Caminhou depois para onde deveria terminar a vida, e todos seguiram-no gemendo. Aos mais afastados, ele sinalizou com a mão que parassem e rogou aos que estavam mais próximos que não o afligissem mais ainda, seguindo-o com tantas demonstrações de afeto. Assim, para obedecer, eles pararam, e todos juntamente lamentavanra infelicidade por tão grande perda. Eleazar, o sumo sacerdote, Josué, o comandante do exército, e os Senadores foram os únicos que o acompanharam. Quando ele chegou ao monte Nebo, que está em frente a Jerico e é tão alto que de lá se pode ver todo o país de Canaã, despediu-se dos Senadores, abraçou Eleazar e Josué e deu-lhes o último adeus. Ainda ele falava quando uma nuvem o rodeou e ele foi levado a um vale.

Os Livros Santos, que ele nos deixou, dizem que Moisés morreu porque se temia que o povo não acreditasse que ele ainda estava vivo, arrebatado ao céu por causa de sua eminente santidade. Faltava somente um mês para que, dos cento e vinte anos que viveu, ele completasse quarenta no governo daquele grande povo, cuja direção Deus lhe havia confiado. Ele morreu no primeiro dia do último mês do ano, que os macedônios chamam dystros, e os hebreus, adar.

jamais homem algum igualou em sabedoria esse ilustre legislador, e ninguém soube, como ele, tomar sempre as melhores resoluções e tão bem pô-las em prática, jamais algum outro se lhe pôde comparar na maneira de tratar com um povo, de governá-lo e persuadi-lo pela força de suas palavras. Sempre foi tão senhor de suas paixões que parecia até delas estar isento e que as conhecia ape­nas pelos efeitos que via nos outros. Sua ciência na guerra pôde dar-lhe um lugar entre os maiores generais, e nenhum outro teve o dom da profecia em tão alto grau. As suas palavras eram outros tantos oráculos, e parecia que o próprio Deus falava por sua boca.

O povo chorou-o durante trinta dias, e nenhuma outra perda lhe foi jamais tão sensível. E ele não foi lamentado apenas por aqueles que tiveram a felicidade de conhecê-lo, mas também por aqueles que conheceram as leis admiráveis que ele nos deixou, porque a santidade que nelas se nota não pode permitir dúvidas sobre a eminente virtude desse legislador.

 

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