Capítulo 4 – Caio manda matar Macrom, comandante da guarda pretoriana, ao qual ele devia a vida e o império.

Depois que Caio resolveu o assunto mais importante para ele, ninguém mais resta­va que tivesse o direito de lhe disputar o trono e a quem aqueles que quisessem perturbar a ordem se pudessem juntar; preparou-se então para descarregar sobre Macrom os efeitos de sua crueldade e de sua ingratidão. Ele não somente o tinha servido muito bem, depois que ele subira ao trono, o que é coisa comum, porque a boa sorte sempre tem aduladores, mas fora também a causa da escolha que Tibério tinha feito dele para seu sucessor. Pois, além de que jamais príncipe teve o espírito mais penetrante do que este imperador, a experiência adquirida com a idade dava-lhe o conhecimento dos pensamentos mais secretos dos homens, e ele tinha concebido graves suspeitas de Caio. Julgava-o inimigo de toda a família dos Cláudios; estava persuadido de que ele não tinha afeto algum pelos da sua origem, do lado materno, e temia por Tibério, o neto, se o deixasse em tenra idade. Além disso, ele julgava Caio incapaz de governar tão grande império, por causa da leviandade de seu espírito, que parecia ter algo de loucura, tanto se via pouca firmeza em suas palavras e em suas ações. Tudo, porém, Macrom fez para dissipar essas dúvidas e suspeitas e particular­mente o temor que ele tinha pelo neto; ele afirmava-lhe que Caio tinha por ele grande respeito, muito afeto como primo, e que lhe cederia de boa vontade o império; que só se devia atribuir ao pudor e ao seu retraimento o que todos julgavam espírito fraco. Macrom via que essas razões não persuadiam a Tibério e não temia oferecer-se a ele como garantia: o príncipe não podia duvidar de sua sinceridade e de sua fidelidade, depois das provas que lhe havia dado, descobrindo e sufocando-lhe a conspiração de Sejam. Por fim, louvava-lhe continuamente a Caio, se louvar uma pessoa é querer justificá-la contra suspeitas incertas e acusações indeterminadas; mesmo que Caio fos­se seu irmão e mesmo seu próprio filho, ele não teria podido fazer mais. Vários atribu­íram a causa disso aos favores que Caio lhe prestava e ainda mais aos bons ofícios da mulher de Macrom, que, por uma razão oculta, falava continuamente a seu marido em seu favor e todos conhecem o poder da mulher, principalmente daquelas que são impudicas, porque não há adulação de que não se sirvam para esconder seus crimes aos maridos. Assim, como Macrom ignorava o que se passava em sua casa, ele atribuía esses artifícios ao afeto e seus maiores inimigos passavam em sua mente por pessoas que mais o amavam. O ter ele livrado Caio de tantos perigos não o deixava imaginar como ele fosse ingrato; falava-lhe assim com muita liberdade, no temor de que ele não se viesse a perder por si mesmo ou que outros corrompessem seu espírito. Ele se assemelhava àqueles bons operários, ciosos de seus trabalhos, que não podem tolerar que outros os estraguem. Assim, quando Caio dormia à mesa, ele o despertava, dizen­do que aquilo não lhe ficava bem, nem mesmo era seguro, porque poder-se-ia facil­mente tentar contra sua vida. Quando ele contemplava os dançarinos e saltadores com prazer e atenção extraordinárias, imitando-lhes os gestos, ou quando ele não se contentava de sorrir, mas desatava em gargalhadas ante os gracejos dos comediantes e dos palhaços, ou quando ele unia sua voz às dos músicos e cantores, ele o tocava levemente, quando lhe estava perto, para impedir que continuasse e dizia-lhe ao ouvido, o que somente ele teria coragem de fazer: “Não deveis, como os outros homens, vos abandonardes aos prazeres dos sentidos, mas sobrepujá-los tanto em prudência e em sabedoria, quanto estais elevado acima deles. Como é que um príncipe que gover­na toda a terra não sabe se moderar em coisas tão desprezíveis? Tão grande glória como a que vos rodeia vos obriga a nada fazer indigno da majestade de chefe de tão poderoso e temido império. Assim, quer estejais no teatro, nos lugares de exercício público, não é o espetáculo que deveis principalmente considerar, mas o trabalho, o cuidado que aqueles que vo-lo apresentam, empregaram para bem realizá-lo, e dizer em vós mesmo: Se eles fizeram tantos esforços para coisas inúteis à vida e se dedicam exclusivamente ao prazer dos espectadores, a fim de merecer serem coroados com grandes elogios e aplausos, que não deve fazer um príncipe que se dedica a um objetivo muito mais importante? Não sabeis que nenhum outro iguala ao de bem reinar, pois que produz a abundância em todos os lugares capazes de serem cultivados, garante a navegabilidade dos mares, o que faz que todas as províncias se comuniquem entre si e trafiquem seus bens para o aumento do comércio? A inveja e o ciúme, para impedir essa feliz comunicação, tinham envenenado alguns particulares e algumas cidades. Mas depois que vossa augusta família foi elevada a esse supremo grau de poder, que se estende sobre todas as terras e todos os mares, ela obrigou esses monstros a fugirem para os desertos mais afastados. Somente a vós foi confiada essa suprema autoridade. A Providência vos colocou à proa, como um digno piloto, para terdes o leme em vossa mãos. É vosso dever bem conduzir esse incomparável navio, do qual a salvação de todos é o rico carregamento. Como um cuidado tão nobre não tem preço, vós não deveis ter maior prazer que tornar felizes por vossos benefícios tantos povos que vos são sujeitos. Eles podem receber alguns, de outros, mas é somente do príncipe que eles devem esperar esse excelente proceder, pelo qual ele espalha a mãos-cheias, seus bens sobre eles, exceção feita daqueles que a prudência obriga a reservar, para reme­diar aos acidentes que se devem prever”.

Foi assim que esse infeliz conselheiro exortou a Caio, para procurar torná-lo melhor. Mas esse malvado imperador mudava os remédios em veneno, zombava dessas ad­vertências e tornava-se, ao invés, sempre pior. Assim, quando via Macrom chegar, dizia aos seus amigos e aos que estavam junto dele: “Aí vem o impertinente preceptor, ridículo pedagogo, que se quer meter a dar-me instruções, não a uma criança, mas a uma pessoa que é mais competente do que ele. Ele pretende que um súdito dê ordens a um imperador, que conhece a arte de reinar e julga ser perito nessa ciência. Mas eu quisera bem saber de quem ele teria podido aprender o que diz; eu fui instruído desde o berço por meu pai, meus irmãos, meus primos, meus avós, meus bisavós e tantos outros grandes príncipes, de quem sou descendente dos lados paterno e materno, sem falar das sementes de virtude que a mesma natureza introduz no sangue daqueles que ela destina a governar. Do mesmo modo que as crianças se assemelham aos genitores, não somente nos traços do rosto e nas qualidades da alma, mas também nos gestos, nas inclinações e nas ações, quem duvida de que aqueles que são de uma família acostumada a dominar não recebem, com a vida, uma disposição que os torna capazes de receber todas as impressões que formam um grande príncipe? Posso então dizer que quando minha mãe me trazia ainda em seu seio e antes mesmo que eu tivesse visto a luz do dia, eu fui instruído na ciência de reinar; um homem qualquer, cujos pensamentos nada têm de elevado e de nobre, ousará dar-me conselhos com relação ao governo do império, que são para ele mistérios insondáveis?”

Assim, Caio concebia, cada vez mais, aversão por Macrom; procurava acusá-lo de falsos crimes, com pretextos de pouca probabilidade; julgou ter encontra­do um por estas palavras que às vezes lhe escapavam: “O imperador é obra minha e ele não me deve menos obrigação do que àqueles que o puseram no mundo. Eu o livrei três vezes com meus rogos da cólera de Tibério, que o queria mandar matar, e depois de sua morte fi-lo declarar imperador, pela guarda pretoriana, que eu comandava, fazendo-lhes ver que o único meio de conservar o império inteiro era obedecer a um só”.

Muitos aprovavam estas palavras de Macrom, porque nada era mais verda­deiro, e eles não conheciam ainda a leviandade e a dissimulação de Caio. Mas poucos dias depois, o infeliz Macrom e sua mulher perderam a vida. Foi assim que a ingratidão de Caio recompensou esse fiel servidor, por tê-lo salvo da morte e elevado ao trono do império. Diz-se que o obrigaram a se matar e que sua mulher não foi mais bem tratada do que ele, embora não se duvidasse de que ela tivera relações criminosas com Caio. Mas, que há de mais inconstante que o amor pelos desgostos que se encontram nos afetos desregrados? A crueldade de Caio chegou a mandar matar também todos os domésticos de Macrom.

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