Prefácio de Fílon
Até quando uniremos a velhice com a infância e seremos, de cabelos brancos, tão imprudentes como as crianças? Que maior imprudência pode haver do que considerar a fortuna como coisa certa, embora nada haja de mais inconstante, e considerar esta natureza imutável, como se ela estivesse sujeita a contínuas mudanças? Não seria inverter a ordem, como se se brincasse com dados, encarando assim as coisas incertas como mais firmes e duradouras do que as certas? A razão de tal erro vem de que os objetos presentes impressionam muito mais os homens pouco experimentados do que os objetos afastados, e eles prestam mais fé aos sentidos, ainda que enganadores, do que às reflexões que seu espírito poderia fazer, porque nada é mais fácil do que se deixar levar pelo que se apresenta aos nossos olhos; ao passo que é preciso raciocínio para se compreender as coisas futuras e as invisíveis. Não é que a alma tenha a vista mais penetrante que o corpo, mas alguns aguçam-na pela sua intemperança no comer e no beber, e outros, por sua estupidez, que é o maior de todos os defeitos.
Tantos fatos tão extraordinários, acontecidos em nosso século, obrigam-nos a crer que há uma Providência, e que Deus cuida dos homens virtuosos que a Ele recorrem em suas necessidades e, particularmente, daqueles que são consagrados ao seu serviço. Eles são como uma herança desse supremo soberano, cujo império não tem limites. Os caldeus dão-lhes o nome de Israel, isto é, que vêem a Deus; o que é uma felicidade preferível a todos os tesouros da terra, pois se a presença daqueles que a idade torna veneráveis, de nossos preceptores, de nossos superiores, e de nossos parentes nos incute tal respeito, que nos corrige de nossos defeitos e nos leva à virtude, que vantagem não é, para nos fortalecer, elevarmos nossa alma acima de todas as coisas criadas, para nos acostumarmos a considerar a Deus, que não somente é incriado, mas infinitamente bom, infinitamente belo, infinitamente feliz, ou melhor, cuja bondade sobrepuja a toda bondade; cuja beleza, a toda beleza e cuja felicidade, a toda felicidade, o que explica apenas imperfeitamente a sua grandeza? Como as palavras seriam capazes de o representar, se Ele é tão superior a tudo que depois dos esforços do nosso espírito para se elevar a Ele, como por outros tantos degraus, pelos atributos que lhe dá, é até obrigado a voltar atrás, sem poder se aproximar dEle e sem poder conhecê-lo, porque Ele é de tal modo incompreensível, que mesmo quando todas as criaturas se tivessem mudado em tantas línguas, não poderiam exprimir o soberano poder, pelo qual Ele criou todas as coisas, o proceder real digno de um monarca eterno, pelo qual conserva o mundo, e a justa distribuição das recompensas e dos sofrimentos que fazem, que se possam colocar mesmo seus castigos no número dos benefícios, não somente como fazendo parte da justiça, mas porque eles servem freqüentemente para converter os pecadores, ou pelo menos para impedir que continuem em seus crimes, pelo temor dos castigos que vêem os outros sofrer.
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