Capítulo 11 – Antígono, ajudado pelos partos, cerca inutilmente Fazael e Herodes no palácio de Jerusalém. Hircano e Fazael deixam-se persuadir, e vão procurar Barzafarnes, general do exército dos partos, que os faz prisioneiros e manda soldados a Jerusalém para prender Herodes. Ele se retira de noite. É atacado em caminho e sempre leva vantagem. Fazael mata-se. Ingratidão do rei dos árabes para com Herodes, que vai a Roma, onde é declarado rei da judéia. *

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* Este registro também se encontra no Livro Décimo Quarto, capítulos 23, 24, 25 e 26, Antigüidades judaicas, Parte I.

 

Dois anos depois, quando Barzafarnes, um dos maiorais entre os partos, governava a Síria, com Pacoro, filho do seu rei, Lisânias, que tinha substituído a Ptolomeu, seu pai, filho de Mineu, prometeu-lhe mil talentos e quinhentas mu­lheres para derrubar Hircano do trono e lá colocar Antígono. Assim, puseram-se em campo. Pacoro marchou pela costa marítima, e Barzafarnes, pelo centro. Os de Ptolemaida e de Sidom abriram as portas a Pacoro, mas os de Tiro recusaram-se a recebê-lo. Mandou então a ele, na Judéia, um corpo de cavalaria, comanda­do por seu grão-mordomo, de nome Pacoro, como ele, para explorar o país e ordenou-lhe que agisse em união com Antígono. A maior parte dos judeus que moravam no monte Carmelo foi logo procurar Antígono para fazer tudo o que lhes ordenasse, e ele mandou-lhes que se apoderassem daquela parte do país que tem o nome de Druma. Ali se travou um combate no qual eles tiveram vantagem, e depois de ter posto os inimigos em fuga e se fortificado com um número maior de homens, marcharam logo para Jerusalém, avançando até o palácio real. Fazael e Herodes * receberam-nos com muita energia e tendo-os repelido, depois de um grande combate que se travou perto do mercado, obri­gou-os a se refugiar no Templo. Herodes colocou em seguida uma guarda de sessenta homens nas casas vizinhas, mas o povo, incitado pelo ódio contra os dois irmãos, incendiou as casas. Herodes não tardou muito em se vingar; atacou os inimigos, matando um grande número deles. Não se passava um só dia em que não se travassem escaramuças; a festa a que chamam de Pentecostes aproxi­mava-se, e toda a cidade e os arredores do Templo estavam repletos de pessoas que vinham de todas as partes para celebrar a festa; a maior parte dos homens estava armada. Fazael defendia as muralhas, e Herodes, o palácio, com um pe­queno número de soldados. Ele fez uma arremetida tão forte do lado do norte, contra os que estavam nos arredores, e tendo-os surpreendido, matou vários, pôs o restante em fuga e os obrigou a se refugiar na cidade, no Templo ou atrás das defesas que estavam próximas.

 

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* No grego lemos Hircano e Fazael, mas devemos aceitar que seja Herodes e não Hircano, como se poderá ver no Livro Décimo Quarto, capítulo 24, número 607, Antigüidades Judaicas, Parte I.

 

Antígono propôs, em seguida, receber Pacoro, o grão-mordomo, para tra­tar da paz. Fazael deixou-se persuadir, e assim este parto entrou na cidade com quinhentos cavaleiros, com o pretexto de acalmar a perturbação, mas, na verda­de, com o fim de ajudar Antígono. Ele aconselhou Fazael a ir procurar Barzafarnés, para tratar das condições de um acordo, e ele decidiu-o, mas contra a opinião de Herodes, que conhecia a perfídia desses bárbaros, que lhe dizia que procurasse antes matar aquele traidor do que deixar-se apanhar na armadilha que lhe prepa­rava. Pacoro, para tirar todo motivo de suspeita a Fazael, seguiu-o com Hircano, e deixou com Herodes alguns dos cavaleiros a que os partos chamam de livres. Quan­do chegaram à Galiléia, os governadores das praças vieram armados à sua presen­ça, e Barzafarnés, para ocultar a traição, recebeu-os com muita cortesia e deu-lhes mesmo alguns presentes; mas ele colocou soldados de emboscada no caminho por onde eles deviam passar, depois de o terem deixado. Levaram-nos a uma casa vizinha do mar, chamada Edipom, onde lhes disseram que Antígono tinha prome­tido aos partos mil talentos e quinhentas mulheres, no número das quais as suas deviam estar e que esses bárbaros já os teriam detido; eles só esperavam que Herodes o tivesse sido também em Jerusalém, para que não se salvasse, se viesse a saber de sua detenção. Bem depressa compreenderam que aquele aviso era mui verdadei­ro, pois viram chegar os guardas. Aconselharam, então, a Fazael que fugisse; Ofélio, ao qual Saramalla, o mais rico de todos os sírios, tinha manifestado esse intento, insistiu muito com Fazael, mas ele não quis abandonar Hircano e tomou a delibe­ração de ir procurar Barzafarnés. Fez-lhe graves censuras e disse-lhe que como era apenas o desejo de ter dinheiro que o levara a traí-lo, ele lho poderia dar mais, para salvar a vida, do que Antígono para obter o reino. O bárbaro protestou com jura­mento que nada havia de mais falso, e foi, em seguida, procurar a Pacoro. Apenas ele partira, aqueles que haviam recebido a ordem, prenderam Hircano e Fazael, que outra coisa não puderam fazer para deplorar sua perfídia. No entanto, Pacoro, que Barzafarnés tinha mandado para prender Herodes, fez tudo o que pôde para atraí-lo para fora do palácio. Mas como ele desconfiava sempre dos partos, e não duvidava de que as cartas que Fazael lhe tinha escrito para avisá-lo da traição tinham sido interceptadas, não quis sair do palácio, embora Pacoro tudo tivesse feito para persuadi-lo a ir encontrar-se com os que as traziam, pois ele já sabia que Fazael estava preso, e a mãe de Mariana, que era filha de Hircano, e mulher de inteligência, tinha-lhe rogado que não confiasse naqueles pérfidos, dos quais ele não podia desconhecer os maus intentos.

Pacoro, vendo que agindo abertamente ser-lhe-ia impossível surpreender um homem tão hábil como Herodes, pensava como deveria proceder para enganá-lo com algum ardil, quando ele resolveu partir secretamente, à noite, e levar consigo as pessoas mais queridas, os parentes, para se retirar à Iduméia. Os par­tos apenas souberam-no, puseram-se em sua perseguição. Ele mandou na frente sua mãe e seus irmãos, Mariana, que ele tinha desposado, e o jovem irmão de Mariana; deteve-se com o restante das tropas e depois de ter matado num com­bate um bom número daqueles bárbaros, retirou-se para os castelos de Massada. Os judeus causaram-lhe mais dificuldades naquela ocasião, que os mesmos par­tos, pois o atacaram quando ele estava longe de Jerusalém, apenas uns sessenta estádios. O combate foi longo, mas Herodes obteve ainda a vitória. Muitos dos inimigos morreram no campo de batalha e, para perpetuar a memória deste feito, ele mandou construir naquele mesmo lugar um soberbo palácio e um cas­telo fortificado a que deu o seu nome, chamando-o de Herodiom.

Suas tropas aumentaram naquele retiro e quando ele chegou a Tersa, na Iduméia, José, seu irmão, veio encontrá-lo, e o aconselhou a mandar a outra parte uma porção daqueles que o haviam seguido, mais de nove mil pessoas, porque Massada não era bastante grande para alojá-los. Herodes aprovou essa sugestão e mandou todos os inúteis para a Iduméia, com víveres; deixou seus parentes em Massada, com as pessoas necessárias para servi-los e oitocentos soldados providos de tudo o de que viessem a precisar, para sustentar um cerco; tomou, em seguida, o caminho de Petra, capital da Arábia.

No entanto, os partos saqueavam, em Jerusalém, as casas dos que haviam fugido e até o palácio real, sem tocar, no entanto, em mais de trezentos talentos que pertenciam a Hircano; mas não encontraram tudo o que esperavam, porque Herodes, que conhecia sua perfídia, tinha mandado à Iduméia o que ele tinha de mais precioso e os que se haviam arriscado à sorte, tinham feito a mesma coisa. Esses bárbaros não se contentaram de saquear a cidade, devastaram também os campos, destruíram Marissa e não somente fizeram Antígono rei, mas entrega­ram-lhe Hircano e Fazael, acorrentados. Ele mandou cortar as orelhas ao primei­ro, a fim de que, sobrevindo alguma mudança, ele fosse tido como incapaz de exercer o sumo sacerdócio, porque nossas leis proíbem conceder-se essa honra aos que têm algum defeito corporal. Mas a coragem de Fazael libertou-o do seu poder; embora ele não tivesse nem espada nem a liberdade de se servir de suas mãos, soube encontrar um meio de se matar, batendo a cabeça contra uma pedra, fazendo ver, por esse ato tão digno da glória de sua vida, que ele era um verdadeiro irmão de Herodes e não um covarde, como Hircano. Alguns dizem que Antígono mandou-lhe cirurgiões que em vez de usarem remédios para curá-lo, envenenaram suas feridas; antes de exalar o último suspiro, ao saber por uma pobre mulher que Herodes se tinha salvo, disse que morria sem tristeza, pois deixava um irmão que o vingaria de seus inimigos.

Embora os partos tivessem tido um grande desprazer, porque Antígono não lhes pudera dar as quinhentas mulheres prometidas, não deixaram de estabelecê-lo em Jerusalém e levaram Hircano como prisioneiro ao seu país.

Herodes, que ainda não sabia da morte de seu irmão^e conhecia a avareza dos partos, vendo que o único meio de o tirar de suas mãos era dar-lhes dinhei­ro, dirigiu-se rapidamente para a Arábia, para obtê-lo do rei dos árabes. Esperava que, se a lembrança da amizade que esse príncipe tivera por Antípatro, seu pai, não era poderosa assaz para levá-lo a conceder-lhe a graça, ele não recusaria, pelo menos concedê-la, a rogo dos tírios, dando-lhes seu sobrinho como refém, filho de Fazael, que então tinha somente sete anos de idade e que ele levava consigo; estava resolvido a empregar trezentos talentos para esse fim, mas a morte de Fazael tirou-lhe os meios de demonstrar-lhe sua extrema amizade, por um ato tão generoso e tão louvável. No entanto, os fatos não corresponderam ao que ele devia esperar dos árabes. Malce, seu rei, ordenou-lhe que saísse ime­diatamente de seus territórios, tomando por pretexto que os partos o obrigavam a assim fazer; mas o verdadeiro motivo era que sua ingratidão o levava a não querer cumprir aos filhos de Antipatro com as obrigações que devia ao pai e os que podiam muito sobre seu espírito não tinham vergonha de levá-lo a não lhes restituir o depósito que lhe fora confiado.

Herodes, vendo que aquilo que lhe deveria ter conquistado o afeto dos ára­bes, ao contrário, os havia tornado inimigos, respondeu o que seu ressentimento lhe sugeriu, marchou para o Egito e chegou à tarde a um Templo, onde tinha deixado vários dos que o acompanhavam. No dia seguinte dirigiu-se a Rinossura, onde soube da morte de Fazael. Depois de ter dado o que não podia recusar aos primeiros sentimentos de tão violenta dor, prosseguiu seu caminho.

No entanto, este rei dos árabes arrependeu-se, mas muito tarde, por tê-lo tratado tão indignamente, e mandou sem demora alguém dizer-lhe que voltasse, mas não puderam alcançá-lo, tão rapidamente ele havia caminhado, para se dirigir a Pelusa. Lá chegando, uns marinheiros que iam a Alexandria recusaram-se recebê-lo em seu navio. Ele dirigiu-se aos magistrados; o respeito por sua condição e pela sua pessoa fê-lo obter tudo o que desejava deles. A rainha Cleópatra recebeu-o em Alexandria, com toda espécie de honras, na esperança de que ele aceitaria o co­mando de um exército que ela preparava para executar um grande plano, mas ele desculpou-se; não obstante o rigor do inverno e as perturbações que agitavam a Itália, resolveu continuar sua viagem para Roma. Assim, embarcou, tomou o rumo da Panfília e depois de ter sido acossado por uma terrível tempestade, que os obrigou a lançar ao mar uma grande quantidade de tudo o que havia no navio, chegou por fim a Rodes, que a guerra contra Cássio tinha destruído quase comple­tamente. Lá foi recebido por seus amigos Sapinas e Ptolomeu e, embora ele tivesse falta de dinheiro, não deixou de fazer equipar uma grande galera, na qual embar­cou com os amigos. Chegou a Bríndisi e de lá foi a Roma, onde Antônio foi o primeiro a quem se dirigiu, por causa do afeto que tivera por Antipatro, seu pai. Contou-lhe todas as suas desgraças, disse-lhe que fora obrigado a deixar as pesso­as que lhe eram mais caras num castelo onde estavam cercados, e o rigor do inverno e os perigos do mar não puderam impedi-lo de embarcar, para vir pedir-lhe auxílio. Antônio, comovido com esta mudança da sorte, pela estima em que tinha o mérito de Herodes, pela lembrança da amizade que prometera a seu pai e, principalmente, pelo ódio contra Antígono, que considerava um sedicioso, inimi­go dos romanos, resolveu constituir Herodes rei dos judeus, como outrora o havia constituído tetrarca, e julgou que lhe era tanto mais fácil fazê-lo, quanto não duvi­dava de que Augusto tê-lo-ia feito de mais boa vontade ainda do que ele, porque o ouvia freqüentemente falar dos serviços prestados por Antipatro e César no Egito, da maneira como o havia recebido em sua casa, do afeto que lhe havia dedicado e da estima particular que fazia do mérito e da coragem de Herodes. Assim, mandou reunir o Senado, em que Messala e ele falaram na presença de Herodes, dos servi­ços prestados, com tanto afeto ao povo romano por Antipatro, seu pai e por ele, e que Antígono, ao contrário, não somente fora sempre um inimigo declarado de­les, mas tinha demonstrado tal desprezo pelos romanos, que recebera a coroa das mãos dos partos. Esse discurso irritou o Senado contra Antígono, e Antônio acres­centou que, na guerra que se travaria contra os partos, seria sem dúvida muito vantajoso constituir Herodes rei da judéia. Todos aceitaram essa proposta e, ao sair do Senado, Antônio e Augusto puseram Herodes no meio deles; os cônsules e os outros magistrados caminhavam diante deles, e foram oferecer sacrifícios, e puse­ram no Capitólio o decreto do Senado. Antônio deu em seguida um banquete ao novo príncipe.

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