Capítulo 7 – A loucura de Caio aumenta sempre mais e ele quer ser honrado como um deus; imita Mercúrio, Apolo e Marte.
Mas a loucura de Caio não se deteve. Era pouco para ele igualar-se aos semideuses; ele queria mesmo igualar-se aos deuses. Começou por querer passar por Mercúrio. Vestiu-se com roupas parecidas com as dele, tomou nas mãos um caduceu e calçou botinas com asas. Outra vez, para se parecer com Apoio, coroou a cabeça com uma auréola resplandecente, pôs uma aljava às costas, e com flechas na mão esquerda, fazia gestos com a direita, para mostrar que os favores são preferíveis aos trabalhos.
Instituiu depois danças sagradas nas quais se cantavam hinos em louvor desse novo deus, que se contentava antes, quando representava Baco, de ser chamado Evio Lieu e Liber. Muitas vezes, também, quando queria passar por Marte, tomava um capacete, uma couraça, um escudo e se apresentava com uma espada desembainhada na mão, acompanhado de homens dispostos a matar, para acompanhar o furor daquela divindade, que só respira sangue e crueldade.
Espetáculo tão estranho impressionava vivamente o espírito do povo, que se não podia assaz admirar de que ele quisesse parecer com os deuses, aos quais não possuía nenhuma virtude, nem boa qualidade e ousasse usar os sinais dos bens que eles tinham proporcionado aos homens. Pois, que representam aqueles sapatos alados de Mercúrio, senão que ele possui a dignidade de embaixador dos deuses, intérprete de suas vontades, o que seu nome em grego significa, sendo portador de boas notícias e levando-as com toda a solicitude, pois que, não somente um deus, mas um homem sensato não se pode resolver a levar más notícias? O caduceu não indica também que ele é medianeiro da paz e dos tratados, pois os homens também os usam para os mesmos fins e de outro modo jamais veríamos terminarem os males que causam a guerra? Caio, pondo assaz os seus calçados, o fazia para espalhar mais ainda em todas as províncias do império a fama de seus crimes, que deveriam, ao invés, serem sepultados num esquecimento perpétuo? Por que dar-se tanto trabalho, pois que, sem se afastar de seu lugar, ele cometia crimes infinitos, que jorrando sem cessar daquela detestável fonte, inundavam toda a terra? Tinha ele necessidade de um caduceu, pois que jamais se via algo em suas palavras e em suas ações que tivesse a menor aparência de paz, mas, ao contrário, não havia nem cidades nem províncias, gregas ou bárbaras, às quais ele não causasse divisão e perturbação. Que esse falso Mercúrio deixe então tal nome, que lhe é tão pouco conveniente.
Com relação a Apoio, em que se lhe pode ele assemelhar? Será por aquela coroa resplandecente de raios, como se o sol e a lua fossem mais próprios para se cometerem crimes, do que as noites mais horríveis e as trevas? Somente as ações louváveis e virtuosas o dia deve aclarar: as vergonhosas e as infames devem procurar a escuridão para se ocultarem, no mais profundo dos antros e das cavernas. Esse fabuloso Apoio também subverteu a ordem da medicina, pois, quando o verdadeiro Apoio tinha inventado remédios salutares para curar as doenças, este só empregava venenos próprios para dar a morte. Sua insaciável ambição animava-o principalmente contra as pessoas da mais alta nobreza e as mais ricas da Itália, porque ali havia mais ouro e prata que em todo o resto do mundo, e se Deus o não tivesse libertado desse inimigo do gênero humano, não teria havido lugar no império que ele não tivesse também saqueado, destruído e arruinado. Louva-se assim a Apoio, por ter ele não somente se distinguido na ciência da medicina, mas predito o futuro para o bem dos homens, que ele impedia, por seus oráculos, de cair nas desgraças de que estavam ameaçados. Mas os oráculos que Caio proferia só se referiam às pessoas de condição e às mais ilustres, predizendo confiscações, o exílio e a morte, que eram únicos favores que se poderiam esperar de sua injustiça, de sua crueldade e de sua tirania.
Que semelhança tinham então esses dois Apoios? Que vergonha ver que se cantavam igualmente hinos em louvor de um e do outro, com se fosse um crime menor dar a um homem vicioso as honras que só se devem a um deus, como falsificar a moeda que traz a imagem do príncipe?
Nada, porém, é mais surpreendente do que se ver que um homem, cujo espírito e corpo eram tão efeminados, quisesse atribuir-se a força e a coragem de Marte e enganar os espectadores, mudando a todo momento de personagem, como os atores no teatro. Pois, em que se poderia ele assemelhar, não digo a esse Marte fabuloso, que é apenas um fantasma, mas ao que ele quis representar, supondo que há um, isto é, uma força generosa e benéfica sempre pronta a socorrer os oprimidos como a palavra grega Aris, significa, a uma força que por guerras justas produz uma paz feliz. Esse Marte fabuloso tem dois nomes, um dos quais significa que ele ama a paz e que restaura a tranqüilidade pública, e o outro, que ama a guerra e que não poderia deixar de ser acompanhado de confusão e de perturbação.
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