Capítulo 13 – Elogio da mãe desses admiráveis mártires e de como ela os fortalecia na resolução de dar a vida para a defesa da lei de Deus.
Devemos talvez nos admirar de que tão firme resolução tenha triunfado sobre os tormentos, no sexo mais forte, quando vemos que admirável mulher, de quem os sete irmãos tinham recebido a vida, sofreu sozinha tanto quanto todos eles juntos? Podemos talvez duvidar de que seu amor materno não os tenha feito sentir todas as penas, quando vemos a dor, mesmo em animais, como as abelhas, embora naturalmente mansas, servem-se de seu ferrão, como de uma espada, para repelir os moscardos que querem entrar em suas colmeias e os perseguem até à morte, para defender os filhos? Embora essa generosa mãe, de que falamos, tivesse sete filhos, ela não amava menos a nenhum deles, como Abraão amava Isaque, seu único filho, e, entretanto, na necessidade em que se encontravam, de se expor à morte para observar a lei de Deus ou violá-la, para salvar a vida, ela sentiu-se arrebatada, por ver que eles preferiam uma felicidade eterna a sofrimentos passageiros. Quem não sabe que por mais amor que os pais sintam por seus filhos, nos quais eles de algum modo imprimiram o caráter de sua alma e de sua semelhança, o das mães o sobrepujava ainda, porque jamais a teve como a destes sete irmãos. Ela não os tinha somente como os outros trazido em seu seio e tido por todos eles tantos cuidados e tantas penas, mas os tinha educado a todos no temor de Deus e não tendo outro desejo que sua salvação, ela os amava tanto mais, quanto via que lhes eram muito fiéis, pois eram todos sensatos, virtuosos, generosos e tão unidos e tinham tão grande respeito por ela, que cumpriram até à morte as instruções que lhes havia dado. Mas, por mais extraordinário que fosse o amor que ela lhes tinha e embora suas entranhas fossem rasgadas vendo-os sofrer tantos tormentos, nada pôde abalar sua admirável fortaleza. A piedade triunfou em seu coração, sobre os sentimentos da natureza, e ela acompanhou-os todos à morte; sem demonstrar jamais a menor fraqueza, ela viu o fogo devorar-lhes a carne, os dedos das mãos e dos pés, espalhados pelo chão e a pele arrancada da cabeça e da maior parte de seus corpos. Santa mulher, que outra mãe como vós pode dizer ter experimentado na pessoa de seus filhos e as dores mais cruéis do mundo e de todos os entes que deu no mundo, nem um só deu mostras de fraqueza em sua piedade: Vistes morrer o primeiro, sem que vossa constância se abalasse; vistes o segundo expirar, sem mostrar fraqueza ou desalento; vistes com os olhos enxutos tudo o que sofreram os demais, sua carne grelhada, suas mãos e cabeça decepadas, o resto de seus corpos amontoados uns sobre os outros. Considerastes todos os tormentos como provas de sua virtude e nenhuma harmonia é tão agradável aos que a música arrebata, como era o concerto de suas vozes unidas à vossa, quando eles suportavam tantos tormentos. Aquela grande alma tinha visto de um lado a morte de seus filhos, inevitável, se eles continuassem em sua resolução; e do outro, sua vida garantida, se obedecessem às ordens do rei, e sentia por eles a maior ternura de que é capaz um coração materno; mais ela os amava, menos desejava o prolongamento de sua vida, por um pouco de tempo, que lhes teria, ao invés, dado a morte para sempre; mostrou que era uma verdadeira filha de Abraão, preferindo com coragem invencível, Deus a todas as coisas. Oh! mãe que mantivestes a honra das nossas santas leis e a santidade de nossa religião, que trouxestes ao vosso lado estes generosos combatentes, que tão corajosamente as defenderam, devemos comparar-vos talvez, à arca, pois do mesmo modo que no dilúvio universal ela salvou do furor das ondas tudo o que restava da raça dos homens, assim vós levastes àqueles, que num dilúvio de tormentos, saíram, vencedores da crueldade dos carrascos e os fortificastes com vossa admirável constância e vossa heróica piedade, poderemos duvidar de que uma resolução santamente tomada não domine os sentidos, quando vemos a mãe, já idosa, permanecer firme no meio da mais terrível tempestade que possa agitar um coração, vendo sete de seus filhos morrerem diante de seus olhos, da maneira mais cruel do mundo? Que homens jamais demonstraram tão grande coragem? O furor dos leões aos quais Daniel foi exposto e o ardor da fornalha onde Misael e seus companheiros foram atirados, tinham algo de mais terrível do que o fogo do amor que devorava as entranhas dessa mãe, pela dor de ver arrancar de seus braços todos os filhos, para mandá-los aos mais atrozes suplícios? Mas, foi nesse combate que a razão fez triunfar sua virtude sobre os sentimentos mais vivos da natureza. Do contrário, como poderia ser, que uma mulher e mãe, não tivesse dito de si mesma: “Mãe infeliz, a mais infeliz que se possa imaginar, dei ao mundo sete filhos só para hoje vê-los arrebatados de meus braços, sem que me reste nem mesmo um só deles? Foi em vão que eu sofri a dor de tantos partos, que eu criei todos esses filhos com meu leite e os eduquei com tanto cuidado? Não somente não vos verei mais, meus caros filhos, mas não verei nem mesmo vossos filhos e perderei assim o doce nome de mãe, depois de o ter possuído com tanta alegria, pela consolação que vós mesmos me proporcionáveis por vossa virtude que nenhuma outra jamais foi mais feliz. Na minha idade estou sozinha, consumida pela dor, sem que der tantos filhos que tive, haja pelo menos um de quem eu possa receber a honra da sepultura.”
Essa santa mulher estava muito longe de ter pensamentos tão humanos e tão carnais. Ela não se contentou em não afastar seus filhos de sua resolução, de sofrer a mesma morte mas também de não queixar-se nem lamentá-los, depois de terem morrido. Como se seu coração fosse de bronze, ela os incitava e os exortava a dar sem temor uma vida mortal para conquistar uma imortal. Generosa mãe, que num sexo frágil, como um soldado envelhecido nas armas, demonstrastes tanta firmeza, que saístes vencedora por vossa constância do furor de um tirano e demonstrastes nas vossas palavras e nas vossas ações mais coragem do que homens, os mais valentes, nunca poderemos assaz admirar a maneira como falastes aos vossos filhos, quando depois de ter sido aprisionado e levada com eles, vistes o santo e venerável ancião Eleazar atormentado e lhes dissestes então: “Meus caros filhos, jamais combate foi mais glorioso que aqueles que estais empreendendo. Trata-se de defender a santidade de nossa religião e que vergonha para vós, no vigor da idade, temer sofrer por ela dores que um ancião sofre com tanta firmeza. Lembrai-vos de que recebestes de Deus, criador do universo, a vida que lhe ides oferecer. Imaginai com que solicitude Abraão, nosso pai, ofereceu-lhe Isaque em sacrifício, embora ele o considerasse com olhe devendo dar um número indefinido de descendentes. Pensai com que coragem Isaque em vez de se espantar, por ver armada a mão de seu pai, contra ele, apresentou-se para ser imolado. Tende presente aos vossos olhos a constância de Daniel, quando o expuseram aos leões, e a de Ananias, de Azarias e de Misael, quando os lançaram na fornalha de Babilônia. Pois que tendes, meus filhos, a mesma fé, mostrai a mesma resolução. Como tendo diante dos olhos tais objetos, vossa piedade poderia não sair vitoriosa dos tormentos que vos são preparados?” Tais as palavras dessa mulher forte que ninguém jamais poderia assaz louvar; e elas fizeram tal impressão no espírito desses sete irmãos, tão dignos de tê-la por mãe, que, tendo todos morrido parta não faltar ao que deviam a Deus, vivem agora com ele, na companhia de Abraão, de Isaque, de Jacó e dos outros patriarcas.
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